Os processos de ensino e aprendizagem na cibercultura: potencialidades e desafios no ensino fundamental¶
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Autores
Pós-graduada em Administração para Engenheiros (Instituto Mauá de Tecnologia) e Especialista em Tecnologias e Educação Aberta e Digital (UFRB - UAb Portugal). Graduada em Engenharia de Produção (UNIP) E-mail: paularossigon@gmail.com.
Doutoranda em Ciências da Educação (Universidade de Coimbra). Mestre em Estudos sobre a Europa (Universidade Aberta). Jornalilsta (Universidade de Coimbra). Coordenadora do Centro Local de Aprendizagem de Porto de Mós, Portugal (Universidade Aberta). Formadora na área de pedagogia e aprendizagem em plataformas digitais; desenho de atividades pedagógicas; gestão de atividades; avaliação; cinema. E-mail: seforasilva@gmail.com.
Resumo: A educação moderna do século XXI exige mudanças significativas na forma de ensinar e aprender, tanto por razões relacionadas ao contexto econômico, como ao contexto cultural mundial. Nesse sentido, a cibercultura oferece diversas possibilidades para a área educacional, contribuindo para a formação das novas competências. Este artigo tem como objetivos analisar as potencialidades de ensino e aprendizagem dentro da cibercultura e identificar os principais desafios de professores e alunos brasileiros. Trata-se de uma revisão de literatura narrativa, com abordagem qualitativa e com foco em percepções sobre as modificações necessárias no setor educacional, incluindo o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) e em pesquisas sobre a sua utilização nas escolas. Inicialmente, o texto aborda as tendências para o setor neste século e os principais recursos tecnológicos que poderiam ser utilizados, assim como os seus benefícios. Em seguida, são apresentados os resultados de estudos realizados em escolas europeias e brasileiras e são evidenciados os grandes desafios. Como conclusão, é feita uma reflexão sobre as barreiras comuns encontradas, ainda que, em patamares diferentes, que devem ser abordadas com cuidado pelas instituições e governos para promover a qualidade educacional e contribuir para a construção do conhecimento que agregue valor à sociedade.
Palavras-chave: Educação moderna. TIC. Potencialidades. Desafios.
Introdução¶
Com o avanço desenfreado das tecnologias de informação e comunicação, o mundo passou a desenvolver uma nova cultura digital, atualmente, conhecida como "cibercultura", em que a forma de viver, trabalhar e se relacionar mudou significativamente.
De acordo com Santos (2015), a cibercultura pode ser caracterizada por toda a produção cultural e os fenômenos que surgiram através do relacionamento entre seres humanos e objetos digitais em conexão com a rede mundial de computadores. Já o ciberespaço pode ser entendido como a internet navegada por inúmeros usuários, que também produzem, autorizam, constituem e compartilham informações e conteúdos em redes sociais através das interações de seus recursos digitais.
Conforme Levy (1999), pesquisador responsável por estudos sobre o impacto da internet na sociedade e o virtual, o crescimento do ciberespaço é resultado de um movimento de jovens do mundo todo que estão ávidos para experimentar, de forma coletiva, novas formas de comunicação e aprendizado, bem diferentes das mídias clássicas. Dessa forma, pode-se observar que as modificações nas formas de aprender e ensinar passaram a ser fundamentais para acompanhar essa grande evolução com foco na construção do conhecimento e desenvolvimento das competências necessárias para o século XXI.
Sabe-se, por exemplo, através da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento brasileiro que estabelece o conjunto de aprendizagens que o aluno deve desenvolver ao longo da educação básica, que, dentre as dez competências necessárias, a quinta engloba a compreensão, a utilização e a criação de tecnologias digitais de informação e a comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética para que o estudante possa produzir conhecimentos e resolver problemas. No entanto, questiona-se como estão sendo implementadas tais proposições nas escolas públicas e privadas brasileiras, principalmente, na educação básica, de forma a garantir a inclusão cibercultural de alunos e professores nas redes de ensino.
Diante dessa problemática, este estudo tem como objetivo geral analisar as possibilidades de ensino e aprendizagem dentro da cibercultura, com base nas melhores práticas internacionais; e identificar os principais desafios de professores e alunos brasileiros do Ensino Fundamental. Além disso, como objetivos específicos pretende-se identificar as principais mudanças da educação moderna com relação à aprendizagem digital, bem como os recursos tecnológicos mais utilizados e analisar algumas ações de sucesso para alavancar os processos de ensino e aprendizagem na cibercultura.
Para nortear a pesquisa, são consideradas as seguintes questões:
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Quais são as principais mudanças na educação moderna do século XXI e como se relacionam com a cibercultura?
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Quais são as possibilidades que a cibercultura traz para a área educacional e como está o uso de recursos tecnológicos nas escolas?
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Os professores e alunos brasileiros estão sendo preparados e conscientizados para aprender com um novo modelo de ensino digital dentro da cibercultura? Quais são as potencialidades e os desafios existentes?
A metodologia deste estudo tem como finalidade uma pesquisa de revisão bibliográfica, através da coleta de informações, apontadas no referencial teórico, tendo como descritores chaves as ferramentas tecnológicas utilizadas nas escolas para alavancar a qualidade de ensino e os seus principais desafios, tanto para os alunos, quanto para os professores. O estudo justifica-se porque compara o uso dessas ferramentas nas instituições de ensino, considerando as diversas regiões do Brasil, com as instuições europeias e mostra que, até mesmo nos países mais desenvolvidos, ainda existem pontos em comum a melhorar. O período considerado para a pesquisa compreende o intervalo entre 2008 e 2019.
Procedimentos metodológicos¶
Em relação aos procedimentos metodológicos, trata-se de uma pesquisa de revisão bibliográfica, ou seja,
As pesquisas de revisão bibliográfica (ou revisão de literatura) são aquelas que se valem de publicações científicas em periódicos, livros, anais de congressos etc., não se dedicando à coleta de dados in natura, porém não configurando em uma simples transcrição de ideias. Para realizá-la, o pesquisador pode optar pelas [revisões de narrativas] convencionais ou pelas revisões mais rigorosas. (BRASILEIRO, 2013, p. 47)
Neste sentido, em um primeiro momento, são analisados os novos aspectos necessários para a educação moderna do século XXI, identificando as principais mudanças e, em um segundo momento, são abordados os conceitos sobre a cibercultura e as suas possibilidades na área educacional.
Já, em um terceiro momento deste artigo, são examinadas duas pesquisas realizadas em 2019 e 2020, em nome de organizações reconhecidas internacionalmente, como a Comissão Europeia e a UNESCO, que mostram a situação atual do uso das tecnologias na educação básica na Europa e no Brasil, respectivamente, ressaltando os principais desafios brasileiros nesse contexto. Como momento final, são analisadas as respostas para as perguntas norteadoras da pesquisa e descritas as suas conclusões.
A educação moderna do século XXI¶
Em função da aceleração das mudanças nas últimas décadas, o ambiente externo, no qual todos estão inseridos, contando com questões políticas, econômicas, ambientais, sociais, tecnológicas e legais, tem afetado, significativamente, a maneira de cada indivíduo viver, trabalhar e até mesmo aprender.
De acordo com Carvalho (2016), alguns processos sociais que aconteceram na última década desencadearam mudanças significativas na forma de aprender e ensinar, tais como:
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O desenvolvimento de novas tecnologias que facilitam o auto-aprendizado;
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A formação de comunidades de aprendizagem;
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O crescimento das redes de conhecimento;
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A produção do conhecimento em diversos suportes a custos baixos;
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Os novos formatos nas relações de trabalho, considerando maior expectativa de vida, necessidade de construir outras carreiras sem tantas regulamentações;
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As novas exigências de atitudes éticas com relação ao planeta, que exigem soluções para os problemas que parecem mais insolúveis.
Ao analisar essas mudanças, observa-se que elas não se encaixam em um currículo escolar desenvolvido da forma tradicional. Portanto, pode-se afirmar que, com relação à educação, todas as partes envolvidas neste processo estão sendo desafiadas a encontrar soluções para acompanhar o ritmo alucinante dessas mudanças e contribuir para formar indivíduos criativos que tenham pensamento crítico e com habilidades, as quais possam contribuir, efetivamente, para a construção do novo século. Mas que habilidades seriam essas?
De acordo com o professor Harari (2018), pela primeira vez, a humanidade não faz a menor ideia de como estará o mercado de trabalho daqui a 30 ou 40 anos e quais serão as principais habilidades que as pessoas precisarão para o futuro tão incerto. A única certeza é que as pessoas deverão se manter aprendendo e se reinventando por toda a sua vida. Trata-se, pois, de ensinar as pessoas, desde pequenas, a desenvolverem certa flexibilidade de mudar, constantemente, e estarem sempre abertas para se reinventarem. Não existe mais idade para aprender e a conscientização sobre esse fato deve começar cedo.
A necessidade de mudança nos paradigmas educacionais também é defendida por Sir Ken Robinson (2008) que explica, em uma palestra, que os países do mundo todo estão reformando a educação pública por duas principais razões: econômicas (como educar os nossos jovens para o século XXI) e culturais (como educar os nossos jovens para manter as nossas culturas dentro da globalização). O autor explica que as escolas são organizadas até hoje para atender às necessidades da Revolução Industrial e ainda funcionam com verdadeiras linhas de produção, onde existem marcações de tempo, instalações e disciplinas totalmente separadas e desconectadas.
Na mesma linha, um documento, publicado pela UNESCO (2016), explica que, na Europa, por exemplo, há cem anos, o sistema educacional estava programado para que menos de 4% dos alunos do Ensino Médio aprendessem álgebra. Hoje, as escolas evoluíram muito e é esperado que os alunos possam ler e compreender múltiplos textos, trabalhar em resolução de problemas, inclusive com álgebra, e aplicar o raciocínio científico.
Sabendo que as crianças vivem, atualmente, no período mais estimulante da história, com acesso a um universo de informações através dos mais diversos recursos tecnológicos, como obter foco, concentração e, principalmente, algum aprendizado?
De acordo com Gabriel (2013), a educação moderna deve considerar:
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Educação Contínua: aprendizado contínuo, sem idade determinada, passando a ser um processo natural;
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Educação Fragmentada: conteúdos provenientes de fontes, plataformas e recursos diversos;
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Educação Distribuída: conteúdos compartilhados e construídos em grupo;
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Educação Personalizada: cada pessoa pode aprender no local, horário e no formato que lhe for mais interessante;
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Aprendizagem Ativa: as pessoas passam a estudar o que queiram de maneira mais dinâmica e ativa, deixando de ser apenas reativas;
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Estudantes Híbridos: estudantes contam com as suas memórias e também com as memórias dos recursos tecnológicos;
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Professor Interface: o professor passa a ser um grande mediador, funcionando como interface para navegar no mar de informações e encontrar conteúdos de qualidade.
Da mesma forma, Planet et al (2016) cita, em um estudo, que a educação moderna deve estimular as pessoas a reconhecer as suas singularidades, superando as suas diferenças para atingir os seus grandes potenciais e deve ser personalizada, aberta, divertida, colaborativa, multimodal, tecnológica e, antes de mais nada, uma forma de aproximar, cada vez mais, os alunos dos professores.
Nos próximos pontos deste artigo, serão mostrados exemplos de ações que estão sendo implementadas na educação básica para atender às principais mudanças referidas neste texto.
A cibercultura e as potencialidades na área educacional¶
É evidente que os papéis desempenhados pelas escolas, famílias e pelos próprios alunos são essenciais para o desenvolvimento da educação e o crescimento do país. No entanto, conforme o estudo realizado por Planet et al (2016), a escola precisa acompanhar as transformações digitais da sociedade, explorando as novas possibilidades que as tecnologias, a conectividade e a vida on-line oferecem e mobilizar as gerações sob a sua responsabilidade. Portanto, é, perfeitamente, legítima a utilização do ciberespaço para avançar e progredir no ensino e na aprendizagem.
Cibercultura e educação¶
De acordo com Levy (1999), a cibercultura depende, desde a forma mais básica até a mais avançada, de três princípios: interconexão, criação de comunidades virtuais e inteligência coletiva. Enquanto a interconexão cava um meio informacional gigantesco e mergulha seres e coisas em um oceano de comunicação interativa, as comunidades virtuais constroem um processo de cooperação e troca, independente de localização geográfica ou filiações institucionais.
Quanto à inteligência coletiva, o autor explica que essa seria a grande finalidade da cibercultura, desde que as pessoas saibam como explorar, positivamente, o universo de informações e, assim, poderia funcionar como veneno ou como remédio.
Seguindo uma perspectiva positiva da cibercultura, Santos (2015) relata que, com o avanço das tecnologias de informação e comunicação, o mundo vive hoje uma nova fase cultural denominada "cibercultura móvel e ubíqua". Além dos dispositivos móveis, os internautas contam hoje com a evolução da tecnologia sem fio, como por exemplo, as redes wi-fi, 2G, 3G e 4G. Esses recursos permitem, cada vez mais, a mobilidade ubíqua e, em consequência, novas práticas culturais no ciberespaço.
Além disso, é incrível e notável a facilidade que os jovens possuem ao navegar em sites e plataformas, mas é preciso que eles transformem tal atividade, inicialmente recreativa e social, em uma forma de desenvolver as suas competências profissionais futuras. Desse modo, Santos (2015) alerta docentes e discentes que é impossível lançar mão dos diversos contextos e recursos disponíveis para aprender e ensinar com a cibercultura móvel e ubíqua.
O potencial transformador da tecnologia na educação¶
Um estudo elaborado, em 2016, pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), em parceria com a Fundação Santillana e o Grupo de Comunicação El País, mostra algumas reflexões sobre o potencial transformador da tecnologia na educação, ressaltando o quê e como poderia ser abordado para trazer os resultados esperados, conforme o resumo abaixo:
O quê pode ser melhorado
Como melhorar a qualidade da educação não é um desafio que tenha uma fórmula matemática específica, mas, de acordo com o estudo, parece haver um consenso na América Latina, onde três elementos são importantes para isso:
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Buscar novas metodologias que possibilitem o desenvolvimento das competências;
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Manter o quadro de profissionais docentes capacitados e atualizados;
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Utilizar os recursos tecnológicos na educação permite criar ambientes de ensino que facilitam o desenvolvimento das competências.
Como pode ser melhorado
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Melhoria na forma de aprendizagem dos estudantes
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Participação ativa do estudante. Os alunos aprendem melhor quando participam ativamente na construção do seu conhecimento, combinando experiência direta, interpretação pessoal e interações com os colegas e professores;
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Aprendizagem cooperativa. A colaboração e a interação em redes sociais, aplicativos e plataformas ajudam nas dúvidas e a fixar o novo conhecimento;
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Interação frequente com os recursos de feedback. A aprendizagem se reproduz mais rapidamente quando os estudantes têm mais oportunidade de feedback com professores e tutores, corrigindo caminhos e raciocínios;
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Conexões com o mundo real. A tecnologia pode reduzir o abismo entre as atividades teóricas e a aplicação no mundo real através da disponibilidade de variados contextos e protótipos para diversas construções;
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O papel do professor como mediador de recursos e dos alunos.
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Ampliação do horizonte do que os estudantes aprendem
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Competências digitais. As escolas deverão fazer adaptações em seus métodos educativos para capacitar os alunos a trabalharem, ativamente, nos ambientes virtuais;
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Ciências com visualização, modelagem e simulação. O uso de aplicativos, que utilizam a visualização, a modelagem e a simulação, ajuda na aprendizagem de conhecimentos científicos;
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Matemática com notações mais dinâmicas e conectadas.
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Aprendendo a programar para pensar melhor
A programação envolve elementos como pensamento crítico, análise de problemas, organização e representação de dados de forma lógica, automatização de soluções, utilização de modelos, comunicação de processos e resultados, entre outros. Dessa forma, ela estimula diversas habilidades que incentivam o aluno a pensar melhor.
- Estudos sociais, línguas, artes e humanidades
Utilizar a tecnologia para outras áreas de estudo mais sociais e humanas através de jogos e aplicativos também desperta mais o interesse dos alunos.
Fatores críticos
O documento da UNESCO (2016), no entanto, esclarece que existem sete fatores críticos, para que a implementação da tecnologia alavanque as melhorias esperadas na educação:
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Promover a aprendizagem ativa, interativa e cooperativa;
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Oferecer uma maior personalização da aprendizagem;
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Reformar o currículo, para que tenha um enfoque por competências;
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Avaliar a aprendizagem de forma consistente com os objetivos;
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Adotar uma aproximação sistêmica à gestão da mudança pedagógica;
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Desenvolver uma liderança pedagógica potente;
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Apoiar os professores.
Para finalizar este artigo, segue um resumo das principais ferramentas tecnológicas utilizadas no setor educacional.
Tecnologias digitais na educação moderna¶
Conforme o documento da UNESCO (2016), atualmente, existe um leque de recursos digitais que podem ser utilizados na educação, que se dividem em dispositivos, serviços, conteúdos e aplicativos digitais.
Os dispositivos, ou gadgets, consideram, desde desktops, presentes em várias escolas, como tablets, smartphones, lousa digital e mesa educacional. Já o serviço fundamental para o mundo todo é a conectividade, contando com as redes móveis e, principalmente, a banda larga que, em muitos países, ainda deixa a desejar com velocidades extremamente baixas.
Quanto aos conteúdos, podem ser divididos em básicos, encontrados em sites e em recursos didáticos, que complementam os livros e enriquecem os materiais utilizados pelos professores. Os aplicativos, que são programas desenvolvidos para fins específicos e que podem ser disponibilizados em diversos dispositivos, também são muito utilizados entre os jovens, principalmente, para se comunicarem e compartilharem conteúdo. E, por fim, ainda existem as plataformas digitais, programas que permitem a execução integrada de tarefas escolares, de formas síncronas e assíncronas, o acompanhamento do desempenho dos alunos e a comunicação com as famílias e facilitam a administração escolar.
Além disso, conforme Barros, Romero e Moreira (2014), cresceram os vários recursos educacionais abertos, promovendo o acesso e o uso livre de conteúdos e informação, favorecendo a construção coletiva do conhecimento. O simples uso das tecnologias digitais, entretanto, não garante, por si só, os avanços, as inovações e a melhoria da qualidade no ensino, porque, além da informação, é indispensável o envolvimento ativo, pessoal e o verdadeiro trabalho em equipe para atingir os resultados pretendidos.
O uso da tecnologia na educação e seus desafios¶
Para avaliar como está o uso da tecnologia de informação e comunicação (TIC) na educação e os seus principais desafios, foram consideradas, neste estudo, as seguintes pesquisas:
Pesquisa sobre TIC na educação europeia¶
A pesquisa foi realizada em parceria entre a Deloitte e a IPSOS, em nome da Comissão Europeia, em 2019, e se baseou na Primeira Pesquisa de Escolas da Comissão Europeia: TIC na Educação realizada em 2013.
De acordo com o relatório da Comissão Europeia (2019), a pesquisa foi realizada em 31 países, sendo 28 países da União Europeia, mais a Noruega, a Islândia e a Turquia, com professores, alunos e pais, considerando os níveis de escola primária, secundária inferior e secundária. Uma variedade de tópicos diferentes foi abordada, incluindo:
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Acesso e o uso de tecnologias digitais;
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Atividades digitais e a confiança digital de professores e alunos;
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Desenvolvimento profissional de professores relacionados com as TIC;
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Ambiente doméstico digital dos alunos;
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Políticas digitais, estratégias e opiniões das escolas;
Como principais objetivos da pesquisa foram determinados:
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Quanto à aplicação: Como está o progresso das TIC nas escolas?
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fornecer informações detalhadas e atualizadas relacionadas ao acesso, uso e atitudes em relação ao uso da tecnologia na educação;
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Quanto à Infraestrutura: Qual seria o modelo padrão para uma 'sala de aula altamente equipada e conectada'?
-
apresentar três cenários para descrever diferentes níveis de sala e estimar os custos gerais para equipar e conectar uma sala de aula comum da UE (Unidade Escolar) aos componentes avançados.
Resultados da pesquisa -- quanto à aplicação
Descoberta 1 -- Conectividade
Os objetivos da banda larga na Europa preveem que, até 2025, todas as escolas tenham acesso à Gigabit Internet Connectivity. No entanto, a pesquisa mostrou que menos de 1 estudante europeu, em cada 5, possui acesso à internet de alta velocidade. Por consoante, o resultado de conectividade nas escolas ainda está muito aquém da meta.
Descoberta 2 - Codificação e disparidades de gênero relacionadas
Sabe-se que a codificação ajudará a praticar as habilidades do século XXI, como resolução de problemas ou pensamento analítico. Mas, ao perguntar aos estudantes sobre esse assunto, verificou-se que apenas 20% dos estudantes, considerando os alunos correspondentes aos ensinos médio e fundamental brasileiro, se envolvem em codificação ou programação na escola. Além disso, também se observou que 4, em cada 5 estudantes femininas, nunca participaram de aulas de programação, o quê reforçou a necessidade de novas estratégias para atrair mais mulheres para o desenvolvimento de habilidades tecnológicas.
Descoberta 3 -- Treinamento de professores
A capacitação contínua de professores é essencial para que integrem as tecnologias digitais em suas práticas de ensino. Nesse aspecto, a pesquisa mostrou que 6, em cada 10 estudantes europeus, são ensinados por professores que aplicam as TIC em aula e se desenvolveram por conta própria. Desse modo, ainda falta incentivo para o uso das ferramentas existentes, bem como o seu devido reconhecimento.
Descoberta 4 -- Pais
Os resultados da pesquisa mostraram que os pais reconhecem que o mundo mudou e que o uso das TIC na escola se tornou essencial para preparar os jovens para o futuro: mais de 90% dos pais europeus acreditam que o uso das TIC na escola ajudará os seus filhos a encontrar um emprego melhor no mercado de trabalho.
Resultados da pesquisa -- infraestrutura
Para se alcançar um nível de excelência em infraestrutura tecnológica nas escolas, com uma sala altamente equipada, seria necessário um alto investimento por aluno, sem contar com os custos para a sua configuração e manutenção anual.
Pesquisa sobre TIC na educação brasileira¶
A pesquisa foi realizada em 2018 por meio do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (CETIC) e do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC), em nome do Comitê Gestor da Internet no Brasil, e se baseou na evolução das edições anuais realizadas desde 2010. Essa pesquisa teve como objetivo principal identificar o acesso, o uso e a apropriação das TIC nas escolas brasileiras, tanto na prática, quanto na gestão escolar.
De acordo com o relatório da CETIC (2018), foram consideradas as escolas públicas municipais e estaduais e particulares, em atividade, localizadas em áreas urbanas e rurais, com atividades em pelo menos um dos três níveis de ensino e série. Em especial, foram avaliados os alunos do 5º ano do Ensino Fundamental I, do 9º ano do Ensino Fundamental II e do 2º ano do Ensino Médio. Também foram entrevistados os professores, diretores e coordenadores.
Os principais pontos abordados nas escolas, localizadas em áreas urbanas, foram: conectividade, desenvolvimento de atividades, utilizando as TIC, a disponibilidade de recursos educacionais digitais, a formação de alunos e professores para o uso das TIC e a cidadania digital. Já nas escolas localizadas em áreas rurais foram verificados tópicos como: a infraestrutura, o desenvolvimento de atividades, utilizando as TIC, as ações da comunidade escolar, os desafios e as oportunidades para a ampliação e a qualificação do acesso.
a) Resultados -- escolas urbanas
Conectividade
Apesar da pesquisa ter constatado que 98% das escolas possui acesso à rede, verificou-se que a qualidade de conexão ainda precisa ser melhorada. Foram medidos outros indicadores, além de velocidade, que mostraram instabilidades e perdas de conexão. Além disso, apenas 57% das escolas públicas possuíam acesso à internet dentro da sala de aula. Por outro lado, constatou-se que mais da metade dos professores são favoráveis para o uso das TIC e, quando precisam, utilizam os próprios dispositivos e redes móveis em sala.
Atividades utilizando TIC
Em 2018, 76% dos professores declararam ter utilizado a internet para desenvolver conteúdos, aprimorar os seus conhecimentos e compartilhar informações em grupos de colegas, porém apenas 19% dos docentes da rede pública declararam que utilizaram TIC em sala pelo menos uma vez na semana. Da mesma forma, os alunos entrevistados também disseram que usam muito mais a internet fora da escola, principalmente, através de seus celulares, do que dentro da escola. Apenas 37% dos estudantes confirmaram ter usado a internet dentro da escola para fins educacionais.
Disponibilidade de recursos
Mesmo que apenas 30% dos professores entrevistados utilizem as TIC nas atividades escolares, foi evidenciado o uso dos seguintes recursos nas escolas pesquisadas: Whatsapp (61% dos alunos), Redes Sociais (70% dos alunos), Plataformas Virtuais (26% das instituições) ou Pacotes Educacionais, como por exemplo, o G Suite da Google. Outro ponto importante encontrado foi o baixo percentual de substituição e manutenção dos recursos tecnológicos disponíveis na escola, quando somente 34% das escolas atuaram nesse sentido.
Formação de alunos e professores para uso das TIC
Constatou-se que o uso de vídeos e tutoriais on-line para aprender e se atualizar sobre as TIC aumentou 16%, entre 2015 e 2018. Entre os alunos, tal prática também aumentou de 63% a 78% no mesmo período. Porém, os resultados ainda mostram carência na capacitação dos professores, pois apenas 43% fizeram cursos com relação à formação inicial das TIC e 30% fizeram cursos relacionados à educação continuada.
Cidadania digital
Os resultados 2018 mostraram que apenas 32% dos professores acreditam que os seus alunos sabem avaliar as informações que devem ou não compartilhar na internet e que 21% dos alunos não têm ideia de como julgar a confiabilidade das informações.
b) Resultados -- escolas rurais
Infraestrutura e uso das TIC
Das escolas pesquisadas em 2018, apenas 34% possuíam pelo menos um computador com acesso à internet. Além de não haver conexão à rede, faltavam recursos para a utilização nas práticas pedagógicas. Desse percentual, apenas metade delas dispunham do acesso à rede dentro da sala de aula.
A participação da comunidade escolar para uso das TIC
Na área rural, 58% da equipe de gestão escolar disseram que utilizam os próprios celulares em atividades administrativas e 52% dos professores afirmaram que levam os seus próprios dispositivos e redes móveis para realizar as práticas educacionais com os alunos.
Outro ponto que mostra a iniciativa das escolas com recursos e acesso à internet é que muitas se tornaram um centro para atividades virtuais para diversas finalidades disponibilizadas para a comunidade.
Desafios e oportunidades para a ampliação e qualificação dos acessos
Nas escolas rurais sem acesso à internet, verificou-se que a falta de infraestrutura e o alto custo de conexão foram os principais motivos citados pelos gestores das escolas para não utilizarem as TIC na educação. Até mesmo a energia elétrica ainda falta em algumas regiões rurais brasileiras.
Outro ponto fundamental para que essas atividades sejam possíveis nessas escolas é o desenvolvimento de programa de formação de professores, pois, em 2018, apenas 16% dos docentes tiveram algum tipo de capacitação para o uso de computador e internet para realizar atividades com os alunos.
Conclusões¶
Com a evolução e a crescente utilização das tecnologias de comunicação e informação na vida pessoal e profissional, em nível mundial, torna-se insustentável manter um modelo educacional ainda presente nas escolas do mundo todo, desenvolvido para atender às necessidades da Revolução Industrial.
A educação moderna do século XXI deve ajudar a formar profissionais criativos, habilidosos em solucionar problemas, inovadores, responsáveis com o futuro da sociedade e do planeta. Para isso, devem ser considerados modelos de aprendizado contínuo, ativo, colaborativo, personalizado, divertido, multimodal e tecnológico.
Neste sentido, a cibercultura, que envolve todas as produções, construções e relações de indivíduos com diversos dispositivos e objetos tecnológicos, permitindo o acesso a um universo de informações, pode trazer inúmeros benefícios para o setor educacional. Vale ressaltar, no entanto, que, como tudo na vida, também pode ter o seu lado ruim, cabendo a cada indivíduo saber explorá-la para fins lícitos e válidos para o bem da sociedade.
Como potencialidades, este estudo revela que a cibercultura pode contribuir para a qualidade no ensino, melhorando a forma de aprendizagem dos alunos, ampliando o horizonte de aprendizado com foco no desenvolvimento das competências, estimulando a programação como maneira de pensar melhor e apresentando aos docentes novos formatos para ensinar.
Na educação fundamental brasileira, ela poderia potencializar os conhecimentos, a análise e busca de soluções, a promoção do protagonismo e autoria da vida pessoal e coletiva, de acordo com as diretrizes da BNCC (2020), além de contribuir para a melhoria da cidadania digital e dos indicadores de desenvolvimento educacional do país.
No entanto, sabe-se que a tecnologia educacional, utilizada nas escolas, aborda itens essenciais, desde serviços de conexão, dispositivos móveis, conteúdos em diversos tipos e formatos, aplicativos digitais, até vários exemplos de plataformas educacionais.
Desta forma, para analisar como está o uso das TIC dentro e fora do país e seus principais pontos de melhoria foram considerados, neste artigo, uma pesquisa realizada em escolas europeias e outra em escolas brasileiras. Pode-se observar que, apesar dessas pesquisas não possuírem os mesmos métodos e critérios, podem ser encontrados desafios semelhantes. Como exemplos de similaridades, podem ser citadas algumas barreiras, ainda que em patamares diferentes, relacionadas à conectividade, ao programa de capacitação contínua de docentes e à garantia da disponibilidade de infraestrutura e recursos adequados para a realização da prática escolar.
Na Europa, apesar de muitas escolas utilizarem a tecnologia educacional há mais tempo que as escolas brasileiras, ainda foram verificadas dificuldades de conexão em locais mais afastados dos centros urbanos e boa parte dos alunos não estão muito engajados em se desenvolver na área de programação, mesmo com o apoio dos pais. Além disso, também é necessário maior apoio dos estados-membros para ajudar, continuamente, na formação de docentes para uso das TIC.
No Brasil, a pesquisa analisada chama a atenção para disparidade na integração das TIC nas escolas, principalmente, nas áreas rurais, demonstrando a dificuldade das instituições de ensino em se adequarem aos requisitos estabelecidos na BNCC (2020), que abrange, entre outras, o desenvolvimento das competências digitais. Como o digital chegará às cidades que ainda não possuem energia elétrica?
Além disso, a razão pela qual a tecnologia ainda está sendo subutilizada nas escolas brasileiras, que possuem acesso, pode estar no fato de que ainda existam resistências por parte dos professores em utilizarem ferramentas que não dominam. É preciso um programa, mais estruturado, baseado em políticas públicas, para o treinamento contínuo, pois a tecnologia sempre está mudando, para que eles se apropriem e usufruam desse conhecimento.
Portanto, o estudo releva que ainda existem necessidades básicas a serem atendidas, para que a cibercultura realmente funcione como uma grande aliada para alavancar o ensino fundamental brasileiro.
Mesmo sem recursos, contudo, o estudo também mostra que a paixão pela "missão de ensinar" ainda leva professores e a própria comunidade escolar a buscarem meios próprios para compartilhar, de alguma forma, o conhecimento das TIC aos alunos. Nesse ínterim, conclui-se que os processos de ensino e aprendizagem na cibercultura podem trazer aos alunos e docentes a construção do conhecimento com mais qualidade, preparando-os nas novas habilidades necessárias para o século XXI, mas ainda exigem grandes reformas na educação brasileira. Entretanto, é preciso conscientizar alunos, pais e professores que pequenas iniciativas próprias, neste sentido, também podem transformar o futuro.
Referências¶
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