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Jogos Digitais na Educação: Dos Games à Gamificação

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Autores

Especialista em Tecnologias e Educação Aberta e Digital (UFRB - UAb Portugal). Licenciado em História pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). E-mail: peumv@hotmail.com.

Doutora em Educação e Contemporaneidade (UNEB). Mestre em Modelagem Computacional/Sistemas Cognitivos (SENAI/CIMATEC). Especialista em Educação a Distância (UNEB). Especialista em Gestão de Unidades Escolares (UNEB). Especialista em Gestão e Auditoria no Setor Público (UNEB). Historiadora (UCSAL). Professora da Rede Pública da Bahia. E-mail: curvelloslima@gmail.com.

Resumo: Os games estão presentes em nosso cotidiano por conta da ascensão tecnológica da contemporaneidade. Assim como os games, a presença da gamificação também tem conquistado mais espaço. Diante dessa realidade, este artigo tem como objetivo analisar o cenário recente dos games e da gamificação, os conceitos que se relacionam a estes, e seus benefícios e desafios quando aplicados à educação. Assim, metodologicamente, apresenta-se como uma revisão de bibliografias que discutem os jogos digitais e a gamificação na perspectiva qualitativa. Esta pesquisa possibilitou a conclusão de que jogos digitais e a gamificação são possíveis apoios e meios didáticos; porém ainda é pertinente o estudo sobre as barreiras que impedem a efetiva aplicabilidade destas ferramentas nos diferentes ambientes educacionais.

Palavras-chave: Games. Gamificação. Educação.

Introdução

Os jogos digitais costumam ser vistos como entretenimento no cotidiano de algumas pessoas. Porém, cada vez mais, estas ferramentas ganham espaço no âmbito educacional, podendo ser usadas como recursos pedagógicos que auxiliam no processo de ensino e aprendizagem. Além disso, percebe-se a ascensão de pesquisas acadêmicas que visam a entender as características pedagógicas, que por ventura, os games possam vir a ter, principalmente no que diz respeito aos jogos sérios (serious games), ou seja, jogos voltados para educação, também entendidos como jogos que vão além de meros objetos de lazer.

Além do estudo sobre jogos digitais, pretende-se, nesta pesquisa, analisar a gamificação, que consiste na utilização da dinâmica dos games no âmbito educacional e, muitas vezes, sem os softwares para que metas e objetivos possam ser cumpridos. Sendo assim, a gamificação tem como objetivo desenvolver uma motivação para que as pessoas possam se divertir enquanto cumprem suas tarefas. As regras, os erros e os acertos, o trabalho em grupo e as recompensas são elementos presentes na gamificação, os quais podem servir de alicerce ao professor visto que este profissional pode relacionar estes elementos à vida cotidiana dos estudantes, exercitando a importância do desenvolvimento de um trabalho em grupo, do cumprimento de objetivos, assim como entender a importância de lidar com erros e acertos durante o processo de ensino e aprendizagem.

Nesse contexto, esta investigação, teve como problema central: Como analisar e compreender a importância do game e da gamificação no contexto educacional, os sujeitos nela envolvidos, seus limites e possibilidades em trabalhar com este contexto? Dessa forma, questões e objetivos norteadores sobressaíram-se para compreensão e investigação desta pesquisa, a saber: a) contextualizar os jogos e seus elementos; b) compreender o game e a gamificação no âmbito do debate acadêmico c) verificar os benefícios e desafios da gamificação no cenário digital.

Assim, do ponto de vista metodológico, trilharemos pela pesquisa bibliográfica, com abordagem qualitativa, e coleta de dados de conteúdos, isto é, incialmente serão abordados conceitos que se relacionam com esta temática. Dentre esses conceitos, o da própria gamificação que deve ser salientado no que tange à diferença conceitual entre esta prática e os games. Somado a isso, a intenção é apresentar e dialogar, discutir as interpretações de diferentes autores, fontes que se dedicam a estudar games e gamificação, analisando os resultados que podem ser obtidos na educação a partir desta linguagem lúdica. Ainda nesse recorte metodológico, pretende-se exemplificar e analisar jogos digitais comprovando uma possível utilidade no ambiente educacional. O presente trabalho também apresentará elementos dos jogos como suas narrativas, visto que grande parte dos jogos possui histórias que se desenvolvem à medida que o jogador interage com o game. Pretende-se examinar os contextos dos jogos e sua aproximação com a realidade dos estudantes, demonstrando que esses recursos possuem finalidade social e pedagógica quando são bem usados por profissionais da educação e por estudantes.

Portanto, a intenção desta pesquisa é aprofundar cada vez mais o interesse pelo estudo dos games e da gamificação, comprovando que tanto os jogos digitais quanto a gamificação podem ser importantes suportes e meios para o desenvolvimento da educação na perspectiva digital. Além disso, analisar os desafios do uso das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) na educação, assim como desconstruir a visão de que os games são apenas meros instrumentos de entretenimento.

E, em relação às expectativas no que tange à investigação científica, espera-se a análise e o entendimento de temas que estão em constante expansão no dia a dia das pessoas. Esperamos, assim, que esta pesquisa possibilite o aprimoramento de aprendizados destes importantes objetos de estudo, que estão alicerçados às diferentes áreas do conhecimento e linguagens, tais como o cinema, a literatura e as artes. Então, este estudo justifica-se por explorar estas temáticas da contemporaneidade, desde os conceitos teóricos iniciais até as análises práticas de como estas ferramentas podem enriquecer o processo de ensino e aprendizagem. Por fim, este texto se desenvolve na linha de Jogos Digitais, como meio entre prática e teoria a exemplo do Objeto de Aprendizagem Digital (OAD), um seriuos games, no contexto do curso de pós-graduação lato sensu, Tecnologias e Educação Aberta e Digital da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) em convênio com a Universidade Aberta (UAB Portugal).

Jogos e seus elementos

No contexto da Revolução Industrial, foi possível perceber mudanças provocadas pelo uso das tecnologias. Entende-se por tecnologia as "técnicas de que os homens de uma sociedade particular, em determinado momento da história, se valem para satisfazer os objetivos a eles impostos ou que inventam, idealmente por necessidades definidas" (PINTO, 2005, p. 294 apud TONÉIS, 2017, p. 19).

Ainda no período da Revolução Industrial, e em suas etapas, as relações de produção transitaram de um modelo artesanal, passando pela manufatura e chegando até a maquinofatura. Nos séculos que sucederam à Revolução Industrial, pós século XVIII, foi possível notar que a tecnologia e a rapidez nos meios informacionais que esta representou ficaram cada vez mais presentes no cotidiano das pessoas. A introdução de máquinas no dia a dia facilitou atividades que antes levavam mais tempo para serem realizadas, por conta do estilo de trabalho, que era realizado manualmente. Passamos, então, do conceito analógico para o mundo digital. Castells (2003) em sua pesquisa sobre as Tecnologias da informação e Comunicação (TIC) nos diz que uma das características dessas novas formas comunicação é justamente a sua rapidez e a penetrabilidade.

Nesse propósito, todas as áreas vão sofrer influências dessa rapidez e penetrabilidade oriundas do contexto digital. No âmbito educacional não será diferente, e com a introdução das tecnologias de m-learning e u-learning1, indivíduos passaram também a ser caracterizados e tornaram-se nativos digitais. No contexto da educação, esses estudantes são parte de uma geração que "desde os primeiros anos de vida depara-se com objetos e signos do universo digital" (TONÉIS, 2017, p. 23). Vale salientar que o conceito de nativos digitais foi dado por Marc Prensky, escritor inglês, consultor e game designer. Prensky denominou a geração de "digital natives (nativos digitais), considerando que estes são todos falantes da linguagem digital dos computadores, jogos digitais e Internet" (TONÉIS, 2017, p. 23).

Não é de hoje a presença dos jogos na humanidade. No passado, geralmente, as práticas dos jogos eram realizadas em "locais públicos como praças, parques, calçadas e rua". (FREIRE; GUERRINI, 2017, p. 465). Na contemporaneidade, os jogos digitais têm ganhado cada vez mais espaço na vida das pessoas. Por volta dos anos 1970, foi possível perceber a expansão dos jogos eletrônicos ao redor do mundo (RODRIGUES, 2009 apud FREIRE; GUERRINI, 2017). Em consequência da presença desse formato digital de entretenimento, proporcionada pelo avanço tecnológico, é possível perceber "um novo local de prática social dos games, o ciberespaço. É no ciberespaço que muitos jogadores se encontram" (FREIRE; GUERRINI, 2017, p. 465).

A interação das pessoas enquanto jogam também sofreu alterações. Segundo Freire e Guerrini (2017), a interação humana durante o jogo passou a ser direcionada para a máquina, ou seja, um jogador pode jogar sozinho contra o próprio equipamento, diferente de jogos tradicionais em que um jogador costuma interagir com outras pessoas. Esse entretenimento digital também tem ganhado destaque no âmbito econômico, com a venda cada vez maior de jogos e consoles. Freire e Guerrini (2017, p. 466.) enumeram alguns dos fatores que atraem um grande número de consumidores, tais como "avanços nos gráficos dos jogos, o nível de jogabilidade, as mais diversas possibilidades de gêneros de games e do sentimento de pertencimento a um grupo específico de jogadores".

Nesse sentido, percebe-se o quanto o jogo tem importância na humanidade, visto que esta prática é uma forma de entreter as pessoas, seja em grupo ou sozinho. Todavia, o jogo na sua acepção deve ser visto como muito além de um mero entretenimento ou objeto comercial, mas sim uma atividade que apresenta uma meta a ser alcançada, isso porque no jogo é comum a presença de elementos como "regras, conflitos, objetivos, definição de pontos e tomadas de decisões" (PETRY, 2016, p. 25).

Dentre os elementos citados, vale destacar, a meta ou objetivo, as regras e o feedback. Esses conceitos são bem trabalhados por Cristiano Tonéis:

A meta é o motivo pelo qual o jogador está jogando um game. (...) As regras são, em resumo, a forma como o jogador deverá "se comportar" no jogo, ou seja, tratam-se do conjunto de mecânicas que o usuário precisará seguir para atingir a meta. (...) O sistema de feedback representa como é apresentado ao jogador o quanto ele está progredindo em relação à meta do game. Esta característica tem como objetivo manter o jogador motivado e engajado. (TONÉIS, 2017, p. 43-44)

Entender que os games possuem esses componentes é de vital importância, pois ajuda a abandonar a visão superficial de que o game é um mero objeto de consumo ou de entretenimento. O jogo possui sua importância quando entendido como um elemento pedagógico, por exemplo, quando se valoriza a importância de lidar com as regras em um jogo e a consequente reflexão, em nossa vida cotidiana, de como é importante entender as noções de boa convivência em grupo a partir de normas da nossa sociedade. Destacamos que esses e outros benefícios proporcionados pelos jogos serão abordados em tópicos futuros deste trabalho.

Outro fator importante para o sucesso dos games e da gamificação na educação é o grau de imersão que estes programas ou softwares provocam no indivíduo. Os sujeitos podem imaginar-se no próprio cenário por meio de um avatar, sendo ele próprio o personagem. Se personificar e viajar por caminhos nunca imaginados. Isto é experiência e prática. É desenvolver zonas de desenvolvimento imediatas. É criar autonomia, é desenvolver metacognição.

No mundo do game ou da gamificação, várias categorias de jogos foram sedimentadas e este será o assunto do tópico a seguir.

Tipologia: o serious game

São inúmeros os tipos de jogos existentes. Cristiano Tonéis considera que "a classificação ou tipologia dos games vem sendo ampliada no mesmo ritmo que surgem novos games e novas tecnologias" (TONÉIS, 2017, p. 35). Um tipo de jogo que se relaciona com a educação é um jogo sério, do Inglês, serious game, que corresponde àqueles "jogos com outros objetivos além do mero entretenimento." (VASCONCELLOS et al., 2017, p. 207).

Dentre essa tipologia, é interessante destacar exemplos, tais como o simulations games, ou seja, jogos de simulação, que são usados em autoescolas de pilotagens.

É possível afirmar que, grosso modo, todos os jogos - digitais ou não - são intrinsecamente simulações, uma vez que se baseiam em representações simbólicas, por não tratarem da atividade e do conflito real em si, mas sempre uma representação deste, subjugado às demandas sócio-tecno-culturais. Contudo, alguns games são especialmente projetados como simuladores para os usuários realizarem atividades e treinarem habilidades em ambientes sintéticos digitais. (CALOMENO, 2016, p. 263)

Simular, na área educacional, além de contextualizar o lúdico, possibilita que o sujeito vivencie de forma prática o processo dialógico entre tempos, tão peculiar e importante para a investigação enquanto ciência e prática entre sujeitos. Segundo Gomes (2017; 2018), podemos considerar que um ambiente constitutivo de simulações é um espaço democrático, que quebra com a questão territorial, com as barreiras físicas, dado que qualquer pessoa ao redor do mundo com conexão em rede pode inserir-se no universo virtual. Outro exemplo é o epistemic game, que também possui finalidade de simulação, no entanto, neste tipo de jogo é possível assumir o papel de um profissional tal como um engenheiro, um eletricista etc. (TONÉIS, 2017).

Ainda sobre os jogos sérios, é possível perceber que esses games apresentam características técnicas que se aproximam em qualidade de jogos considerados comerciais voltados para o entretenimento (VASCONCELLOS et al., 2017, p. 207). Em um jogo sério, o aluno além de ter contato com diferentes conhecimentos, pode lidar com regras, metas e ter um feedback de seu desempenho enquanto jogam. Entretanto, é válido ressaltar que o aprendizado de um jogador também pode ocorrer em um jogo com finalidade de entretenimento. Segundo Tonéis (2010), o comportamento de curiosidade, busca por informação e pesquisa a respeito do jogo, seu universo e seus personagens são elementos que comprovam o aprendizado do aluno enquanto jogam os games.

Para exemplificar um serious games, esta pesquisa apresenta uma análise do jogo Tríade, resultado de um projeto coordenado pela doutora Lynn Rosalina Gama Alves, da Universidade Estadual da Bahia (UNEB), referência importante no estudo de jogos digitais aplicados à educação. Esse game está ambientado no contexto da Revolução Francesa tendo por finalidade desenvolver nos estudantes a vontade de aprender de forma lúdica e prazerosa (COMUNIDADES VIRTUAIS, 2011). Inicialmente, o jogo demonstra ser um simples jogo de aventura, porém o game pode ser considerado um History game serious (NEVES et al., 2010), um vez que, além de retratar um contexto histórico, tem finalidade pedagógica. O jogo fornece informações, ainda em seu menu, sobre personagens e camadas sociais da Revolução Francesa.

Figura 1: Menu do jogo Tríade.


Fonte: Comunidades virtuais (2011).

Ao clicar no item História, o jogador entra em contato, por exemplo, com informações de sujeitos históricos que fizeram parte da Revolução Francesa, assim como descrições dos representantes dos três estados franceses e da Bastilha, cuja queda foi considerada o marco histórico da revolução.

Figura 2: Jogo Tríade: conteúdo do item História.


Fonte: Comunidades virtuais (2011).

Um jogo como Tríade, além de entreter o jogador, com metas a serem cumpridas e um cenário bem elaborado, permite a compreensão de vários conteúdos como "contexto social, político, econômico, cultural; aspectos como arquitetura, clima e espaço das cidades retratadas" (NEVES et al., 2010, p. 9).

Figura 3: Cenário do jogo Tríade e um objetivo descrito no lado direito da tela.


Fonte: Comunidades virtuais (2011).

É possível perceber, portanto, que jogos como esse pode ser um importante recurso para o professor de História, pois possibilita que o estudante se aproxime do conhecimento histórico de uma maneira lúdica. O Tríade demonstra ser um serious game, isto é*,* criado com finalidade educativa de fazer com que o sujeito reflita sobre a importância e as mudanças geradas pela Revolução Francesa de maneira menos estanque e o mais real possível no seu contexto social.

Game, gamificação e os debates acadêmicos

O jogo faz parte da nossa sociedade desde tempos remotos, contudo, nas últimas décadas, seu formato digital tem se expandido no meio social. Vale ressaltar que, por conta da "popularização das plataformas móveis como smartphones e tablets" (VASCONCELLOS et al., 2017, p. 204), os jogos digitais adquiriram "um novo espaço de possibilidade [...] ampliando sua presença em sociedade" (ibidem, p. 204). Assim, visto que em nosso contexto social um jogo possui regras e objetivos, justifica-se a importância do seu estudo como ferramenta de aprendizado; ademais, os jogos e a gamificação podem ajudar as pessoas a lidar com situações cotidianas, entendendo, por exemplo, regras de convivência e desafios diários.

Segundo Petry (2016), os jogos digitais têm sua origem no contexto da computação. Inicialmente, os jogos se apresentavam como lazer no cotidiano das pessoas, sendo uma atividade lúdica com metas, que quando cumpridas, costumavam gerar um bônus ao jogador. Entretanto, nos últimos anos, segundo Bissolotti, Nogueira e Pereira (2014), os jogos apresentam-se com maior inclusão em diversas áreas acadêmicas. Portanto, mais que uma atividade de lazer, os jogos digitais ganham cada vez mais lugar na sociedade, quando são vistos como objetos de pesquisas, assim como sua aplicabilidade nas nossas atividades diárias, tal como ocorre com a gamificação, que visa o cumprimento de objetivos usando o dinamismo e os elementos dos games.

Do ponto de vista acadêmico, muitas pesquisas têm sido realizadas em relação aos jogos digitais e à gamificação. Desde estudos sobre conceitos gerais, como os de jogo e de gamificação, até conceitos específicos que se relacionam com jogos, tais como serious games e epistemic games. Investigações têm sido realizadas também do ponto de vista epistemológico e filosófico, analisando a essência e a finalidade dos jogos enquanto objeto de estudo ou até mesmo como ferramenta de ensino e aprendizagem.

Somado a isso, os jogos também têm se tornado objeto de pesquisa no campo da educação, uma vez que, no contexto da cibercultura, já é uma realidade a presença de jogos em sala de aula. Com efeito, pesquisas têm sido realizadas tanto com a finalidade de entender a resistência docente em relação à educação digital, quanto para tratar da expansão e do interesse pelo uso da educação digital em espaço de ensino e aprendizagem, examinando resultados positivos obtidos em consequência da utilização desse recurso na educação.

O conceito de gamificação tem sua origem no marketing, quando, conforme Bissolotti, Nogueira e Pereira (2014), surge como uma maneira de resolver problemas. A gamificação, segundo Tonéis (2017), pode ser entendida como aplicação de elementos que faz com que o jogo seja uma atividade divertida e atraente para outras atividades que comumente não são consideradas como jogo. E,

A definição mais encontrada de gamificação (do inglês, gamification) é utilização de mecanismos e elementos de jogos em ambientes que não são jogos, não sendo simplesmente o ato de jogar ou criar um jogo. Gamificação é um conceito baseado em diferentes linhas de pesquisa nas áreas de Interface Homem Computador (IHC), Ciência Cognitiva, Jogos, Capacitação de Pessoal, dentre outras, reforçando sua aplicação multidisciplinar. (RESENDE; MESQUISTA, 2017, p. 2)

No que diz respeito ao objetivo da gamificação, Tonéis considera que "para solucionar problemas práticos ou ainda despertar engajamento entre um público específico, pode-se utilizar elementos dos games" (TONÉIS, 2017, p. 39). É válido salientar também o conceito "gamificar", apresentado por Tonéis como: "mudar processos, gerar motivação e prazer, alterando-se maneiras de se alcançar objetivo." (ibidem, p. 42).

Bissolotti, Nogueira e Pereira reforçam a ideia de que os games já são objetos de estudo no meio acadêmico, quando afirmam que nos últimos anos "houve uma maior inclusão dos games em diversas áreas acadêmicas, com intuito de motivar e engajar os alunos" (BISSOLOTTI; NOGUEIRA; PEREIRA, 2014, p. 7). O objetivo desses estudos é entender

[...] quais as características capazes de produzir tal intensidade nas pessoas fora da "vida real", pois nela, essas pessoas podem não se sentirem tão boas quanto são em jogos, porque quando confrontam obstáculos, tendem a sentirem-se deprimidas, frustradas e oprimidas: sentimentos que não ocorrem no ambiente do jogo. (BISSOLOTTI; NOGUEIRA; PEREIRA, 2014, p. 7)

Dessa forma, nota-se a importância que os jogos podem ter quando o assunto é o ambiente educacional, dado que, além de ser importantes ferramentas de engajamento, estes podem estimular a concentração das pessoas, quando estas estão voltadas para a realização de metas; além disso, conforme mencionado, por conta de sua ludicidade, os jogos tendem a despertar prazer nas pessoas durante o ato de jogar ou quando estas cumprem seus objetivos.

Além do aspecto do prazer proporcionado pelos games, vale destacar as narrativas envolvidas nos jogos. Estes, segundo Petry, apresentam "a capacidade de contar histórias" (PETRY, 2016, p. 35). Jogos digitais, na visão deste autor, "têm a capacidade de fazer com que o jogador participe da narrativa e se envolva nela como agente direto e com poderes de intervir em seu curso" (ibidem, p. 35). Em uma aula de História, por exemplo, torna-se interessante apresentar e discutir as narrativas presentes nos jogos digitais. Tonéis (2017) cita um exemplo de jogo que possibilita ao professor trabalhar com essas narrativas o StoneAge Sam, contextualizado no Período Paleolítico. Segundo o referido autor, o objetivo desse jogo "é relacionar os hábitos, costumes, ritos e crenças de um povo ou sociedade à sua identidade social e ao seu respectivo processo histórico" (TONÉIS, 2017, p. 101). Em um jogo como esse, que tem por contexto um período pré-histórico -- o Paleolítico --, pode ser analisado, pelo professor, de que forma o cotidiano das pessoas desse período é narrado a partir das etapas do jogo. Ele pode também propor uma atividade em que os alunos narrem os eventos apresentados nos jogos, tais como a prática da caça, da coleta, da pesca, bem como o nomadismo, dentre outras características que demarcam o período em estudo.

As regras foram um dos elementos dos games já mencionados nesta pesquisa. Todavia, vale destacar sua aplicabilidade na educação e os seus benefícios proporcionados, a uma criança, por exemplo. Vasconcellos et al. (2014, p. 214) consideram que "as regras introduzem o conceito de certo e errado para o convívio social, pois é necessário que as regras sejam respeitadas para que o jogo aconteça em grupo". Em consequência da presença de regras em jogos, o professor pode discutir as noções de certo e errado, a importância dos limites de comportamento na convivência em grupo e as consequências positivas quando respeitamos as regras de convivência no nosso dia a dia, tais como a ausência de conflitos e o respeito aos direitos e deveres de uma sociedade. Portanto, de forma geral, compreendemos que gamificar, ludificar na educação, não seria tão somente utilizar jogos digitais, mas também fazer uso das regras do jogo nos ambientes de aprendizagens.

Os videosgames, na era digital, sem dúvida, representam um novo contexto de aprendizagem para os cidadãos, especialmente na infância e na adolescência. Requerem a navegação e exploração de todo espaço e tempo, contextos virtuais organizados, os outros jogadores em rede, as regras e os recursos à sua disposição e são, definitivamente, sistemas sociais em evolução. (GÓMEZ, 2015, p. 125)

Em relação ao uso da gamificação na educação, esta pesquisa apresentará mais especificamente a análise desta prática através da modalidade na educação a distância (EAD). Pontos que serão abordados no tópico seguinte.

Os games e a gamificação: vantagens e desafios

Na EAD, "muitos professores ainda utilizam o ambiente virtual de aprendizagem, (AVA), como repositório de materiais didáticos" (BISSOLOTTI; NOGUEIRA; PEREIRA, 2014, p. 7). Ou percebem o AVA como a virtualização da modalidade presencial de ensino. No entanto, é importante que um ambiente virtual de aprendizagem desperte interesse e motivação nos alunos. Sendo assim, a gamificação surge como mais uma alternativa importante, já que pode ser outra forma de entreter alunos nos AVA´s de maneira imersiva e interativa.

Bissolotti, Nogueira e Pereira (2014) apresentam alguns mecanismos gamificados que podem ser úteis para ajudar o engajamento de estudantes na EAD. Destaca-se, incialmente, o feedback constante, que dá "a noção de progresso sobre o que ele está fazendo" (ibidem, p. 7). Esse mecanismo é importante, dado que, segundo os autores, quando o "aluno realiza algum exercício sozinho, ele não sabe como está o progresso ou se está no caminho certo" (ibidem, p. 8). Outro mecanismo analisado são os desafios. Bissolotti, Nogueira e Pereira (2014, p. 8) afirmam que "estabelecer desafios traz ótimos resultados, pois os jogos podem diminuir o medo do fracasso, o que aumenta as chances da pessoa agir e obter sucesso". Consequentemente, um estudante pode, a partir de desafios propostos no AVA, identificar que, antes de alcançar metas, é importante lidar com desafios, já que estes fazem parte do processo de ensino e aprendizagem. Ainda sobre essa questão, Tonéis considera que:

Os jogos e as brincadeiras ganham importância na sala de aula à medida que aproximam a criança do conhecimento científico, propiciando a vivência de situações que colocam o jogador diante de desafios e da necessidade de buscar soluções, levando-o a raciocinar, a compartilhar ideias e a tomar decisões. (TONÉIS, 2010, p. 151)

Por fim, vale destacar a competição sadia e as recompensas. Sobre a primeira, é importante que o professor parabenize as melhores notas da turma e não apenas um vencedor de uma equipe (BISSOLOTTI; NOGUEIRA; PEREIRA, 2014). Sendo assim, um aluno ao ser parabenizado, perceberá que seu esforço valeu a pena, como costuma funcionar na dinâmica de um game. Em relação às recompensas, estas podem funcionar como estímulos aos alunos para atividades futuras (idem, 2014). Na dinâmica dos jogos, ser recompensado é o objetivo de muitos gamers, visto que estes passam por diferentes etapas até alcançar metas propostas por cada game. Na educação, a gamificação pode funcionar dessa forma, ou seja, usar a dinâmica dos games, de vencer etapas e ser recompensado após o cumprimento de tarefas. Logo, a gamificação torna-se uma importante aliada no processo de ensino e aprendizagem, desde o uso dos mecanismos citados, até o seu poder de entreter e engajar as pessoas, tal como funciona nos jogos digitais.

Tanto os games como a gamificação apresentam-se como alicerces ao professor a partir do uso dos seus mecanismos supracitados. Portanto, justifica-se entender cada mecanismo a fim de aprimorar práticas de ensino tanto na modalidade presencial quanto na modalidade a distância. Com esses mecanismos, o professor estará familiarizado com o contexto digital ou ele próprio vir a ser um "nascente" do contexto digital.

Alguns desafios também precisam ser analisados quanto ao uso dos games e da gamificação na educação. O primeiro desafio sobre o uso dos jogos diz respeito ao investimento. É imprescindível desenvolver nas escolas, principalmente nas públicas, espaços adequados com acesso à internet (rede www), que possibilitem visualização da jogabilidade dos games, assim como discussões acerca das temáticas e características de cada jogo. Sobre o desafio dos games na escola, Tonéis considera que:

Um dos desafios está no investimento financeiro para a utilização dos games. Se pensarmos em um espaço no qual os jogos digitais assumam suas potencialidades então esse espaço envolve investimento estrutural, uma sala, computadores, consoles, mesas, cadeiras, poltronas. Não se trata de transformar a escola em uma central de games mas que, em seu interior, os games possuam um espaço adequado e prazeroso. (TONÉIS, 2017, p. 74)

Sobre o ponto de vista de Tonéis, é importante salientar que esse tipo de investimento ainda está distante da realidade de muitas escolas no Brasil. Todavia, o professor pode solicitar ao aluno o acesso de vídeos disponibilizados na internet, que apresentem o gameplay e propor uma pesquisa sobre características e temáticas dos jogos a fim de desenvolver debates futuros em sala de aula ou ambientes onde o ensino e as aprendizagens sejam construídos.

Outro aspecto desafiador do uso de games em sala de aula é o interesse e o incentivo por parte do professor em relação ao uso de games como ferramentas pedagógicas. Cabe a este profissional ser menos resistente à utilização de tecnologias em sala de aula, principalmente os games, que, como vimos, tendem a ser vistos como simples objetos de consumo de entretenimento. Após ultrapassar a resistência, vale ressaltar a importância do professor como um protagonista no processo de ensino e aprendizagem quando as tecnologias são presentes. Na gamificação, por exemplo, é importante que o professor seja um incentivador e saiba controlar o excesso de competividade durante o uso da gamificação na sala de aula. Sobre essa questão, Rodrigo Lara afirma que: "A adoção da gamificação exige cuidados, o principal deles é garantir que a experiência funcione como um incentivo, não como uma frustração -- o que ocorre quando os alunos entram num clima de competição" (LARA, 2020, p. 2). A competição é natural na gamificação e nos jogos digitais, porém ela deve ser sadia, posto que a intenção principal é a interação e a colaboração entre os estudantes, assim como entender que também é importante saber perder e recomeçar num jogo.

Considerações finais

Este estudo buscou se fundamentar e dialogar com recentes discussões acerca dos jogos digitais e da gamificação, e se construiu por meio da metodologia bibliográfica por recorrer a pesquisas que trazem os contextos do mundo digital, dos games, da gamificação e do âmbito educacional, bem como estes se encontram na contemporaneidade.

Assim sendo, a partir da análise do cenário atual dos jogos e da gamificação, dos conceitos presentes nas suas áreas e da apresentação de suas características e elementos que os compõem, a presente investigação se propôs a analisar os jogos digitais como muito mais que simples ferramentas de lazer e de entretenimento, mas demonstrar, a partir de debates acadêmicos, características e elementos dos jogos que comprovam sua possível utilidade no âmbito educacional. Com efeito, recorrendo a uma abordagem qualitativa, foi possível balizar a importância de se trabalhar o lúdico no cenário da educação. E, por intermédio de um exemplo prático, análise de um Objeto de Aprendizagem Digital, um seriuos games, verificamos a possibilidade aliar o estudo da História ao contexto social dos alunos, tornando-a mais próxima de sua realidade.

Além disso, confirmamos a possibilidade de utilizar ferramentas digitais, tais como os jogos, assim como aplicar práticas, tal como a gamificação, na educação. Outro ponto de destaque são os exemplos de benefícios proporcionados pelos games e pela gamificação quando bem contextualizados, conforme ilustrado pelo game Tríade, que se propõe a não apenas propiciar o lúdico aos estudantes, mas também despertar um olhar crítico em relação a determinados temas a partir da simulação de personagens e de cenários.

Ressalta-se também que utilizar games e gamificação na educação é um desafio, visto que profissionais desta área ainda precisam se aproximar desta realidade contemporânea que cada vez mais faz parte do cotidiano de muitos estudantes. A utilização dessas ferramentas por parte dos docentes no contexto da educação é imprescindível por serem estes os principais mediadores do uso dos games nos ambientes de aprendizagens, contribuindo para que a gamificação seja inserida de forma rotineira na vivência escolar e para que seus elementos, tais como regras, metas e feedback, façam sentido para o estudante.

Somado a isso, é necessário que as instituições de ensino, por meio de políticas públicas, possam oferecer meios para que esse contexto digital de fato ocorra, capacitando as escolas com estruturas adequadas, contribuindo, desta forma, para que mais educadores vençam a resistência quanto a seu uso enquanto suporte pedagógico e os alunos compreendam os jogos digitais como um apoio didático que pode levá-los a reflexões sobre diferentes temas, bem como no desenvolvimento da metacognição.

Portanto, esta pesquisa pôde responder a perguntas pertinentes quando se pensa em recursos tecnológicos e digitais na educação e a indagações a cerca da percepção inicial em relação aos games como meros entretenimentos até o processo da gamificação; isto é, quanto ao uso pedagógico, assim como vantagens e adversidades que possam vir a ocorrer com a prática dos games e da gamificação no âmbito educacional.

Entretanto, faz-se cada vez mais necessário ampliar e aprofundar estudos e abordagens de temas dessa natureza, a fim de possibilitar a ascensão dos games e da gamificação não apenas no campo acadêmico, mas em diferentes espaços educacionais e educativos. E a compreensão de que, embora as tecnologias digitais da informação e comunicação não garantam formas de ensinar e de aprender, estas podem produzir grande ganho para todos, em especial para os educandos.

Referências

BISSOLOTTI, Katielen; NOGUEIRA, Hamilton Garcia; PEREIRA, Alice Theresinha Cybis. Potencialidades das mídias sociais e da gamificação na educação a distância. RENOTE -- Revista de Novas Tecnologias na Educação, v. 12, n. 2, 2014.

CALOMENO, Carolina. Simuladores educacionais: definições, tensões e apropriações como objetos de aprendizagem. Blucher Design Proceedings, v. 2, n. 9, p. 2489-2501, 2016.

CASTELLS, Manuel. A Galaxia da Internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeio, Zahar, 2003.

JOGO TRÍADE. In: Comunidades virtuais. Salvador: UNEB, 2011. Disponível em: www. comunidadesvirtuais.pro.br/triade/. Acesso em: 18 abr. 2020.

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  1. Modalidades de aprendizagens em que os meios são processados por dispositivos móveis analógicos e digitais.