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A voz feminina no ciberespaço: Youtube - ferramenta de empoderamento?

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Autores

Especialista em Tecnologias e Educação Aberta e Digital pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e em Geografia e Meio Ambiente pela Universidade Cândido Mendes (UCAM). Licenciada em Geografia pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). E-mail: carvalho.daniela@live.com.

Mestre em Relações Interculturais pela Universidade Aberta de Portugal e Licenciada em Jornalismo pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Doutoranda em Sociologia no Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE). Docente responsável pela orientação do Trabalho de Conclusão de Curso na Especialização em Tecnologias e Educação Aberta e Digital pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) em convênio com a Universidade Aberta Portugal. E-mail: joana.correia@uab.pt.




Resumo: Este trabalho visa a I) identificar alguns canais no YouTube protagonizados por mulheres brasileiras que tenham questões sociais e políticas de interesse feminino como sua pauta principal; II) registrar quais os assuntos mais abordados dentro dessa perspectiva e III) verificar a repercussão desses vídeos através da quantidade de inscrições, de visualizações e de comentários. Para embasar teoricamente esta pesquisa qualitativa, de natureza básica, descritiva e bibliográfica, adotaram-se como principais autores: Pierre Lévy, Djamila Ribeiro e Joice Berth, que discutem, respectivamente, ciberespaço, lugar de fala e empoderamento. As etapas que compuseram a pesquisa foram: a) delimitação do tema; b) pesquisa bibliográfica e eletrônica; c) consulta ao YouTube (seleção de canais e análise dos dados); d) produção de gráficos; e) elaboração do artigo. Os canais analisados foram criados entre 2010 e 2015, todos protagonizados por mulheres, sendo eles: "Papo de preta", "Na veia da nêga", "Nathália Braga" e "Victoria Ferreira". Ao analisar as playlists de cada um, percebeu-se que os principais temas em comum foram: vida universitária; estética/cuidados pessoais; entrevistas com convidados; vlog; sexualidade e resenhas (livros, séries e filmes). Ao fim do trabalho, concluiu-se que as redes sociais podem apontar para a quebra de um sistema vigente que invisibiliza as narrativas dos grupos minoritários e que os vídeos em si não transformarão o sistema, mas contribuem para a mudança dos sujeitos, os quais, tornando-se empoderados, poderão formar uma coletividade empoderada, capaz de promover transformações sociais.

Palavras-chave: ciberespaço; YouTube; lugar de fala; empoderamento.

Introdução

No final do século XVIII, a sociedade ocidental passou por enormes transformações decorrentes da Primeira Revolução Industrial, que afetaram, inclusive, a forma de as mulheres ocuparem espaços para além do ambiente doméstico, bem como o seu papel na sociedade. No fim do século XX e no século XXI, o mundo enfrentou novas mudanças; dessa vez, protagonizadas pela tecnologia digital.

Atualmente vivemos no ciberespaço, o qual está associado aos dispositivos móveis e à possibilidade de comunicar-se instantaneamente, de interagir com as informações e com outros sujeitos, fato que alterou o perfil do público, que deixou de ser mero consumidor e passou a interagir com os produtores, dando feedbacks quase que imediatos e, mais que isso, que começou a produzir e divulgar seus próprios conteúdos. Nesse contexto, as redes sociais passaram a competir com as mídias tradicionais e o YouTube ganhou lugar de destaque, pois numa sociedade do imediato e do audiovisual, a preferência pelos vídeos se sobrepõe aos textos.

Dentre os vários objetivos dos vídeos no YouTube, verifica-se que além do entretenimento, essa rede tem se tornado espaço de debates e discussões de cunho educacional, político e social, no qual as mulheres têm conquistado voz e levado à pauta temas como aborto, maternidade, empoderamento, padrão de beleza, racismo, dentre outros. Temas que antes eram negligenciados ou expostos apenas sob o viés tradicional e agora passaram a ser discutidos sob a ótica feminina e com amplo poder de alcance.

Diante desse cenário de avanço e democratização das tecnologias de informação e comunicação, pergunta-se: como o ciberespaço pode potencializar o poder de fala feminino, contribuindo para a construção de uma sociedade mais igualitária e justa? Perante esse questionamento, este trabalho visa a i) identificar alguns canais no YouTube protagonizados por mulheres brasileiras que tenham questões sociais e políticas de interesse feminino como a pauta principal de seus vídeos; ii) registrar quais os assuntos mais abordados dentro dessa perspectiva e iii) verificar a repercussão desses vídeos, através da quantidade de inscrições, de visualizações e de comentários.

No contexto de uma sociedade machista como a brasileira é, não apenas importante como necessário discutir o feminismo, não na perspectiva de um movimento de superioridade da mulher em relação ao homem, mas de luta pela igualdade de direitos. Afinal, historicamente, foram negados às mulheres brasileiras os direitos de liberdade, de expressão, os direitos políticos e de acesso à educação, sendo as mulheres negras, ao mesmo tempo, vítimas do racismo e do machismo e, portanto, ainda mais marginalizadas na sociedade brasileira. Essa é a interseccionalidade - sistema duplamente opressor - da qual trata Carla Akotirene (2019).

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres representavam 51,08% de toda a população brasileira no ano de 2017, mas ocupavam 39,1% dos cargos gerenciais. Além disso, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no ano de 2018, as mulheres representavam apenas 13% do Senado e 15% da Câmara dos Deputados Federais.

Esses dados comprovam que o poder de legislar e de decidir no Brasil concentra-se nas mãos dos homens. Desse modo, apesar de muitos avanços e conquistas de direitos, as mulheres ainda têm um papel decisório secundário e, portanto, sua fala é menos ouvida e menos valorizada que a masculina. Por esses motivos, considera-se importante a realização desta pesquisa, na medida em que busca estudar como o ciberespaço pode criar novas possibilidades para as mulheres além de potencializar o alcance de suas vozes.

Esta pesquisa classifica-se com base em Gerhardt e Silveira (2009) como qualitativa, de natureza básica, descritiva e bibliográfica e, para embasá-la teoricamente, adotaram-se como principais autores: Pierre Lévy, Djamila Ribeiro e Joice Berth, que discutem, respectivamente, ciberespaço, lugar de fala e empoderamento.

O artigo está organizado em quatro partes: fundamentação teórica, metodologia, análise e dicussão de dados e considerações finais.

Fundamentação teórica

Pierre Lévy (1999) inicia seu livro "Ciberespaço" reconhecendo dois fatos. O primeiro fato é que o crescimento do ciberespaço estava se dando em virtude da curiosidade geral dos jovens em experimentar formas de comunicação diferentes das promovidas pelos meios de comunicação clássicos. O segundo fato é que, já na década de 90, quando o livro foi escrito, vivia-se a abertura de um novo espaço de comunicação, cabendo aos usuários explorá-lo da maneira mais positiva possível nos campos econômico, cultural, político e humano.

Para o autor, o ciberespaço é composto por sistemas eletrônicos de comunicação e por todo espaço físico que eles demandam para existir. Portanto, é interconectado pela rede mundial de computadores, sendo que a cibercultura está diretamente ligada ao ciberespaço, pois, à medida que este cresce, um novo tipo de cultura se desenvolve, denominada cibercultura -- um conjunto de atitudes e técnicas adaptadas ao ciberespaço.

Naquela época, Lévy já vislumbrava o potencial da internet enquanto ferramenta de transformação, sendo que as redes sociais digitais ainda eram embriões, pois o Facebook, o YouTub*e e o *WhatsApp, redes mais utilizadas no mundo no ano de 2018 de acordo com a We Are Social, só foram oficialmente criadas em 2004, 2005 e 2009, respectivamente.

De acordo com pesquisa realizada pelo IBGE, entre os domicílios investigados no Brasil em 2016, 69,3% tinham acesso à internet, sendo que 76,4% dos brasileiros conectados utilizavam para assistir a vídeos, programas, séries e filmes. No Brasil, o YouTube é a rede mais utilizada e, segundo pesquisa realizada pelo Google sobre o perfil de seus consumidores, as principais motivações que levam ao consumo dos vídeos são: entretenimento, conhecimento, conexão e identidade. Ainda conforme essa pesquisa, 9% dos entrevistados desejam "se encontrar e se construir a partir de quem está do outro lado da tela".

Nesse contexto, o YouTube tem se tornado um caminho de encontros, de autodescoberta, de independência financeira e, especialmente, de ambiente para discursos sociais e políticos produzidos por mulheres e para mulheres. O impacto que esse espaço gera é extremamente importante numa sociedade patriarcal em que as mulheres sempre foram silenciadas e infantilizadas, pois as redes sociais, sobretudo, o YouTube tem lhes dado voz.

Djamila Ribeiro (2019) discute o conceito de lugar de fala, tendo como respaldo teórico mulheres negras de diferentes partes do globo, fugindo assim do padrão de referências eurocêntrico e norte-americano e o faz principalmente sob a perspectiva da mulher negra.

Para Ribeiro (2019), tratar do lugar de fala é discutir sobre espaços discursivos privilegiados, afinal, a forma como esses espaços se constituíram no Brasil deu origem a problemas estruturais, como o racismo, visto que foram grupos específicos que tiveram direitos negados ao longo dos séculos. A autora, além disso, afirma que as falas sobre racismo e opressão de gênero sofrem diferentes formas de deslegitimação pela sociedade brasileira, pois são vistas como inapropriadas ou agressivas, quando, na verdade, estão "confrontando o poder".

Verificam-se nas mídias muitas declarações equivocadas sobre o lugar de fala, desprovidas de embasamento e, por isso, o termo acaba sendo esvaziado de seu significado real e utilizado como justificativa para a omissão na luta contra o racismo, machismo, homofobia, entre outros problemas enfrentados por grupos subalternizados.

Para Ribeiro (2019), todos tem seu respectivo lugar de fala, o qual deve ser entendido como localização social, de modo que todos podem discutir sobre todos os temas, e não apenas negros tem direito a falar sobre racismo ou mulheres sobre machismo, como alguns tem entendido; pelo contrário, é essencial "que indivíduos pertencentes ao grupo social privilegiado em termos de locus social consigam enxergar as hierarquias produzidas a partir desse lugar, e como esse lugar impacta diretamente a constituição dos lugares de grupos subalternizados" (RIBEIRO, 2019, p. 85). Acredita-se que, a partir dessa percepção, a luta contra diferentes formas de opressão se fortaleça, ou seja, os privilegiados devem falar e lutar contra as estruturas excludentes e opressivas que prevalecem no Brasil, mas, ao fazê-lo, devem reconhecer seus privilégios, respeitando a voz dos historicamente excluídos, ao invés de tentar substituí-la ou distorcê-la.

Apesar de Ribeiro (2019) chamar a atenção para o esvaziamento de conceitos importantes que os discursos nas redes sociais podem provocar, afirma que é inevitável não reconhecer as redes como porta-vozes de sujeitos historicamente silenciados, deslegitimizados e intelectualmente questionados. Uma das tendências no YouTube são os vídeos de resenhas de livros, séries e filmes. Nesse caso, o conteúdo de livros como os de Djamila Ribeiro alcança, inclusive, aqueles que não dedicam tempo para a leitura de livros. Além disso, a divulgação de vídeos de palestras e entrevistas com esses intelectuais tem sido outra forma de problematizar questões naturalizadas ao longo do tempo. Essas vozes têm encontrado nas redes uma ampliação e, dessa forma, fomentado provocações e convites à reflexão sobre feminismo e racismo, por exemplo, podendo ser feitos numa escala e perspectiva inimagináveis há alguns anos.

Outro conceito essencial nessa discussão é o empoderamento. Nesta pesquisa, adotou-se o entendimento apresentado por Joice Berth, que para chegar às suas conclusões, resgatou reflexões de Paulo Freire e de diversas autoras negras estrangeiras como Angela Davis, Srilatha Batliwala e Patrícia Hill Collins, percorrendo também produções de mulheres negras brasileiras como Sueli Carneiro, Lélia Gonzalez e Djamila Ribeiro.

A autora fez uma revisão bibliográfica em busca da origem e significado do termo empoderamento e chamou a atenção para o seu esvaziamento e distorção até mesmo por ONG's (Organizações Não Governamentais), agências e governos, inclusive com a intenção de manter o status quo garantidor das desigualdades sociais e a circunscrição dos grupos oprimidos dentro do espaço social que lhes foi reservado.

A palavra "empoderamento" foi cunhada em 1977 pelo sociólogo Julian Rappaport e tem sua origem na língua inglesa, que de forma literal significa "dar poder". A pesquisa realizada por Berth (2019, p. 38) indica que a Teoria da Conscientização de Paulo Freire -- entendida como "prática para a libertação e de estratégias de atuação de grupos oprimidos" foi a grande inspiradora da Teoria do Empoderamento.

A autora corrobora com a ideia de Paulo Freire de que o empoderamento é um instrumento de luta social e que os grupos empoderam-se a si próprios, de modo que não é possível uma pessoa ou grupo empoderar outra pessoa ou grupo, ou seja, o empoderamento é individual, interno ao sujeito, sendo um processo gradual, mas é na coletividade de sujeitos empoderados que as estruturas sociais podem ser alteradas.

Citando Nelly Stromquist, Berth (2019, p. 47) explica que o empoderamento é um processo composto por quatro dimensões, sendo elas complementares e sem sentido isoladamente, por isso, para que um sujeito esteja empoderado, precisa ter desenvolvido todas as dimensões, a saber: "[...] cognitiva (visão crítica da realidade), psicológica (sentimento de autoestima), política (consciência das desigualdades de poder e a capacidade de se organizar e se mobilizar) e econômica (capacidade de gerar renda independente)".

Metodologia da pesquisa

Para a realização da pesquisa, buscou-se respaldo em Gerhardt e Silveira (2009), segundo as quais a pesquisa científica pode ser classificada de acordo com os seguintes critérios: abordagem; natureza; objetivos e procedimentos. Com base nessa definição, esta pesquisa classifica-se como qualitativa; de natureza básica; descritiva e bibliográfica. As etapas que a compõem são: a) delimitação do tema; b) pesquisa bibliográfica e eletrônica; c) consulta ao YouTube (seleção de canais e análise dos dados); d) produção de gráficos; e) elaboração do artigo.

A fim de delimitar o corpus da pesquisa, inicialmente realizou-se uma busca com a palavra chave "empoderamento", todavia, não foram localizados canais com o perfil estabelecido, a saber: canais pessoais, protagonizados por mulheres e que na sua descrição constasse como proposta a discussão e o debate de temas sociais e políticos. Apesar de não selecionar canais para fins de comparação de dados, alguns vídeos foram analisados a fim de identificar a abordagem neles proposta sobre o que é empoderamento e, nesse caso, a escolha foi aleatória.

Dessa forma, foi realizada uma nova busca, agora com a palavra chave "lugar de fala". Diante da lista de vídeos apresentada, selecionaram-se os quatro primeiros canais em conformidade com os critérios estabelecidos. No momento de busca, optou-se por não selecionar nenhum filtro e utilizar a conta do Youtube sem identificação de usuário, a fim de evitar a adoção de outros critérios que interferissem na ordem de exibição dos vídeos.

Vale ressaltar que o critério de seleção adotado não é capaz de contemplar todos os tipos de vídeos e de canais que produzem conteúdos que podem contribuir para o processo de empoderamento dos sujeitos, pois observou-se no processo de pesquisa que em vários outros vídeos, mesmo não tendo na descrição o objetivo de discutir esses temas, o fazem com propriedade e convidam à reflexão, mas pelo fato desse objetivo não estar registrado na descrição do canal, eles foram excluídos dessa seleção.

Desse modo, os canais em estudo são: "Na veia da nêga", "Nathália Braga", "Entrevistas", "Estética negra e vlog", "Victória Ferreira" e "Papo de Preta". Com essa delimitação pronta, verificaram-se as playlists e optou-se por analisar um vídeo de cada canal que mais se aproximasse da discussão proposta nesta pesquisa. Respectivamente a cada canal, os vídeos selecionados foram os intitulados: "O que é lugar de fala? resenha literária Djamila Ribeiro"; "O que é lugar de fala? - Djamila Ribeiro resenha Nathália Braga"; "Lugar de fala Victoria Ferreira"; "Sobre o lugar de fala - o que isso quer dizer, afinal?". Definida essa escolha, foram produzidos alguns gráficos e tabelas com base nos dados dos canais e dos vídeos sobre o número de inscritos nos canais, de visualizações e de comentários nos vídeos, além da quantidade de marcações "gostei" e "não gostei". Como esses dados são bastante voláteis, é importante destacar que foram coletados no dia 10 de maio de 2019 e uma atualização sobre o número de inscritos foi realizada em setembro de 2020.

Após assistir a cada vídeo com atenção, verificou-se o alcance dessas vozes, através da observação da quantidade de inscritos, de visualizações e marcações e analisou-se o tipo de repercussão que esses vídeos causaram por meio da leitura dos comentários gerados. É importante salientar que em virtude da pesquisa basear-se na fala feminina e nos impactos diretos à mulher, foi dada ênfase aos comentários feitos por mulheres.

Análise e discussão dos dados

No que se refere aos vídeos sobre empoderametno, observou-se que existem muitos vídeos e canais que tem como intuito "vender" empoderamento, indo na contramão do que Berth (2019) defende, que é o empoderamento como processo que se desenvolve no indivíduo e atinge a coletividade e não uma fórmula mágica, que instantaneamente empodera os indivíduos, e que, portanto, não pode ser comercializada ou ensinada.

Verifica-se que nesses canais estão contempladas apenas duas das quatro dimensões do empoderamento -- a psicológica e a econômica -- e ainda assim de forma isolada, ora em canais de cunho psicológico, nos quais o empoderamento é visto como elevação da autoestima, ora em canais sobre finanças que põem o empoderamento apenas como independência financeira, associado ao empreendedorismo. Nesse aspecto, Berth (2019, p. 72) ressalta que, para a população negra, historicametne, empreender foi uma necessidade, mediante a dificuldade de inserção no mercado de trabalho formal. Essa face empreendedora do negro é latente no romance "Um defeito de cor" da autora Ana Maria Gonçalves, no qual tanto os escravos de ganho quanto os alforriados encontraram, nas vendas e na prestação de serviços nas ruas de Salvador, a forma de sobrevivência e possibilidade de compra de suas cartas de alforria.

Em entrevista realizada pelo YouTube a três youtubers brasileiras, em ocasião do Dia Internacional da Mulher no ano de 2019, intitulada "Uma voz para elas: 3 criadoras contam como o YouTube e as empresas podem jogar a favor das mulheres", uma das entrevistadas foi Nathalia Arcuri, do canal "Me poupe", classificado como canal de empoderamento financeiro. Nathalia declarou, referindo-se ao YouTube: "acredito que lá a mulher pode ser quem ela quiser, sem depender de ninguém." Denota-se nessa fala, a liberdade da mulher em "ser quem quiser", a partir de sua independência financeira, fator realmente importante para o empoderamento, mas que não pode se dar de maneira isolada, pois uma mulher "empoderada" apenas no campo financeiro pode continuar reproduzindo as desigualdades social, racial e de gênero, ou seja, o termo é usado de forma esvaziada, sem intenção de promover transformação social.

Desse modo, o exemplo citado reforça a proposição de Baquero (2012 apud BERTH, 2019, p. 30), ao afirmar que de todas as palavras inseridas recentemente no léxico do desenvolvimento, o empoderamento "é provavelmente o mais usado e abusado", sendo "incorporado de uma forma que praticamente o roubou do seu significado original e valor estratégico".

Além do viés financeiro, destaca-se o psicológico, também ressaltado pela autora como uma simplificação do empoderamento feita de forma recorrente, afora os canais que abordam o empoderamento pelo viés da estética, sempre com foco no individual, totalmente desprovido de compromisso com a coletividade. Segundo Berth (2019), ao falar de empoderamento como processo político e de ruptura, é necessário discorrer também sobre estética, visto que o padrão de beleza criado no Brasil faz parte do sistema opressor que valoriza o fenótipo europeu em detrimento do afro-americano, mas isso precisa ser feito de forma crítica, consciente, dentro da perspectiva da coletividade e não apenas dentro da lógica do mercado.

A autora ainda chama a atenção para associação entre beleza e bondade, a exemplo dos contos de fadas em que os vilões e bruxas estão fora do padrão de beleza ocidental, enquanto os mocinhos e princesas são a representação desse padrão, sendo, portanto, as características do considerado "belo" associadas à superioridade em relação as do considerado "feio". Nesse contexto, observa-se a pequena participação do negro como protagonista nos meios de massa e, quando seus papéis recebem destaque, estão, em geral, estereotipados. Esse processo silencia e invisibiliza o negro, apesar de compor a maior parte da população brasileira, segundo o IBGE. Isso afeta a sua autoestima, na medida em que não se vê representado na mídia, tendo suas características físicas inferiorizadas e, no caso das mulheres, objetificadas e sexualizadas.

De acordo com Berth (2019, p. 120), há uma subestimação das críticas sobre a importância da estética no processo de empoderamento e afirma que "não é possível passar por um processo de empoderamento produtivo se não nos fortalecermos e nos encontrarmos dentro da nossa própria pele." A confiança na própria imagem gera uma enorme potência: não é em vão que grupos oprimidos não se veem representados na TV e no cinema. Corroborando essa ideia, Massironi (2010) assegura que as imagens são compostas pela dialética entre enfatismo e exclusão e que o desenhador escolhe e só comunica o que deseja em seu trabalho. Apesar da reflexão do autor se referir à produção de desenhos, aplica-se perfeitamente às escolhas feitas pelos meios de massa, ao selecionar seus protagonistas e criar seus personagens conforme o padrão de beleza ocidental.

Entre os vídeos sobre empoderamento, são comuns postagens de páginas institucionais como TEDx Talks, GNT e mesmo a Organização das Nações Unidas (ONU). Mas o que se verifica é que neles a noção de empoderamento é restrita. Por exemplo, o vídeo "Empoderamento das Mulheres" da ONU Mulheres apresenta o conteúdo de forma bastante didática e suscinta, mas foca o empoderamento em ações individuais na tomada de decisão da mulher sobre sua vida. Apesar do conteúdo ser relevante e a discussão da igualdade necessária, o vídeo transmite a mensagem de que ações individuais de forma isolada geram empoderamento, quando isso é um equívoco, pois o empoderamento não pode ser atingido quando permanece restrito à esfera individual.

Nesse contexto, os meios digitais criam novas oportunidades e expandem as fronteiras, possibilitando que grupos oprimidos saiam da invisibilidade, da estereotipação e do silenciamento, este compreendido por Kristie Dotson (2011 apud BERTH, 2019, p. 56) como tecnologia de opressão e que remonta à antiga máscara de silenciamento que impedia os negros "rebeldes" de comer e falar.

"Se quisermos reinventar o imaginário em torno da mulher preta, precisamos falar em primeira pessoa, e o YouTube dá esse espaço", essa é uma declaração de Jacy July, outra youtuber entrevistada pelo YouTube, proprietária do canal que leva seu nome, no qual consta a seguinte descrição: "Encontrei nas redes sociais uma forma de me expressar, seja através do autocuidado com os cabelos e pele, autoestima intelectual, ou beleza. Esse canal é focado na valorização da autoestima e o empoderamento de pessoas negras." Ao longo da história os homens brancos detiveram o direito de expressão e de liberdade, enquanto às mulheres brancas era reservado o espaço privado, tendo os seus maridos, pais ou irmãos o direito de falar por elas. No caso das mulheres negras, tinham o dever de ficar caladas e de trabalhar tanto quanto os homens negros e, acrescido a isso, ainda eram vítimas de violência sexual.

As palavras de Jacy July proferidas a partir de seu lugar de fala -- mulher negra, brasileira, no ano de 2019 - reiteram a ideia defendida neste trabalho de que as redes sociais, em especial o YouTube, têm sido espaço de fala para as mulheres negras e também outros grupos silenciados, que trazem à tona discussões de temas antes ignorados ou, quando abordados, era sob a ótica de quem não vivia os problemas.

Sobre essa militância nas redes sociais, Ribeiro (2019) reconhece sua importância, mas chama a atenção para o fato de favorecer o esvaziamento de termos importantes na luta contra a opressão e apresenta dois possíveis motivos, aos quais precisa-se estar atento. O primeiro é a urgência das redes sociais e toda a velocidade que envolve o mundo virtual e o segundo é o incômodo que o avanço dos discursos dos grupos minoritários tem gerado entre os grupos privilegiados. Nesse contexto, é conveniente a fala de Berth (2019, p. 54):

[...] se o empoderamento, no seu sentido mais genuíno, visa a estrada para a contraposição fortalecida ao sistema dominante, a movimentação de indivíduos rumo ao empoderamento é bem-vinda, desde que não se desconecte de sua razão coletiva de ser.

Nesse sentido, compreende-se que os vídeos selecionados e outros com a mesma finalidade não são o empoderamento nem serão capazes de produzi-lo, mas já são frutos dessa movimentação, pois os produtores desses vídeos são sujeitos que já estão empoderados no plano individual e que, cientes do uso estratégico que podem fazer do YouTube, se apropriam desse espaço para promover reflexões críticas sobre sua realidade, história, estética e para despertar esse input em outros indivíduos e também construir uma comunidade com os que estão se redescobrindo e com outros que, por já terem se atentado à dimensão cognitiva do empoderamento, agora buscam se fortalecer através das redes sociais.

Como dito anteriormente, muitas pessoas buscam sua identidade e referencial nas redes sociais, porém os mais ousados usam as redes para se fazerem ouvir e conhecer, ou seja, não para terem uma referência, mas para serem referência. A dimensão que as redes sociais atingiram, especialmente o YouTube, fez surgir um novo papel nos meios de comunicação digitais, o dos influenciadores digitais, começando a ser reconhecida, inclusive, como uma profissão. Berth (2019, p. 135) reconhece a importância que as influenciadoras negras tem nesse cenário, pois "elas se auto definem e ressignificam a si mesmas, servindo de exemplo positivo a ser seguido por outras que se enxergam semelhantes a elas" e, apesar de a maioria não ter se apropriado das dimensões do empoderamento, exercem a representatividade com eficiência.

Às mulheres brancas, historicamente foi reservado o espaço privado e, aos negros e negras, o trabalho braçal. Os meios de massa sempre foram aliados na manutenção dessas desigualdades sociais e imposição de papéis sociais. No livro "Quem tem medo do feminismo negro?", Djamila Ribeiro cita as propagandas de revistas com fotos de donas de casa com eletrodomésticos e aspiradores de pó como o símbolo da mulher não só moderna, como também feliz, e alerta para o fato de que apenas apropriar-se das novas tecnologias não é emancipação, o necessário é romper com a lógica da opressão.

As táticas de privar a mulher do espaço público e o negro da produção intelectual configuram-se no silenciamento desses grupos. Apesar de nos dias atuais a opressão se manter sob uma nova roupagem, é inegável que os meios de comunicação digitais contribuem para avanços na superação desses obstáculos impostos por tanto tempo, visto que na cultura digital os novos meios de comunicação permitem a imersão e a interatividade num elevado grau de complexidade (MITTERMAYER, 2017), embora também favoreçam o encorajamento de alguns indivíduos a utilizarem esses meios para destilar ódio e para propagar informações falsas ou deturpadas.

Dessa forma, há uma alteração no perfil do público, até então meros consumidores de informação que passam a produzir conteúdo, a interagir com outros produtores-consumidores. No caso do YouTube, são constantes as trocas entre youtuber-seguidores, youtubers-youtubers, seguidores-seguidores. Sendo assim, há uma ruptura com o modelo tradicional de produção e disseminação da informação, permitindo que grupos oprimidos definam suas pautas e elaborem seu próprio conteúdo, pois o poder de decidir quem pode falar e o que falar não depende mais exclusivamente dos proprietários dos tradicionais meios de comunicação.

Essa mudança que o ciberespaço proporciona é confirmada pela youtuber Nathália Braga quando diz: "eu, como uma pessoa que não se sente representada, faço do YouTube a minha televisão." As redes sociais -- marco da web 2.0 -- contribuem para o rompimento dessa violência que é o silenciamento. As redes, além de darem voz, facilitam o acesso à informação, que para Baquero (2012 apud BERTH, 2019) é um instrumento de libertação.

Os canais analisados foram criados entre 2010 e 2015. A seguir consta a descrição de cada um, localizada na aba "sobre" de cada canal do YouTube.

O canal "NaVeia da Nêga" é protagonizado por Lívia Teodoro e descreve o canal com a seguinte provocação: "O que se passa na mente e corre nas veias de uma jovem negra de classe baixa! Puxe o tapete e sente no chão, a casa é nossa e a satisfação é toda minha!"

O "Papo de Preta" pertence a Maristela Rosa e a Natália Romualdo, que fazem um convite às mulheres negras:

O canal Papo de Preta existe para dar vez e voz a mulher negra! Cultura pop, cotidiano, beleza, sociedade... Tudo comentado com o olhar de duas mulheres negras. Representatividade! Isto define nosso canal. Seja bem-vinda(o)!

Já o canal !Victória Ferreira" apresenta uma breve biografia e apresentação do canal:

Meu nome é Victoria Ferreira, tenho 21 anos, sou jornalista e trabalho com criação de conteúdo para web há 4 anos. Esse é um canal de comportamento e sociedade, com propósito de ressignificar o que entendemos por feminilidade. Vídeos sobre feminismo e bem-estar.

E por fim, o canal "Nathalia Braga" que inicia sua apresentação com um questionamento:

É possível abordar assuntos sérios de forma simples ou até mesmo debochada? Sim! Sejam bem-vindas ao meu canal! Aqui falamos sobre empoderamento negro, jornalismo, sexualidade, educação e várias coisas. Pra mim, as vozes precisam circular e, por isso, muitas vezes acontecem entrevistas e vlogs pautados nas sugestões de vocês. Além disso, eu também sou escritora.

Ao comparar as descrições, pode-se notar que, seja de forma mais sutil, seja de forma mais direta, em todas há um convite para se pensar e discutir questões sociais, principalmente o feminismo e o racismo.

Depois da descrição, foram analisadas as playlists de cada canal, nas quais verificou-se que os principais temas em comum são: vida universitária; estética/cuidados pessoais; entrevistas com convidados; vlog; sexualidade e resenhas (livros, séries e filmes). A Tabela 1 detalha as principais playlists comuns entre os canais.

Aqui tabela 1

Pode-se observar que o único tema presente em todas as playlists foi estética, sendo que, no canal "Victória Ferreira", nota-se uma intencionalidade diferente, no sentido de pensar o cuidado para além da estética, visto que há três playlists intituladas: desenvolvimento pessoal, autocuidado e saúde mental. Contudo, fora dessas listas também há vídeos sobre maquiagem e cabelo, assim como nos demais. Vale ressaltar que esse é o único canal de uma mulher de pele mais clara e cabelo ondulado, enquanto os demais são de mulheres de pele negra e cabelo crespo e que, portanto, falam dos seus dilemas a partir de seu lugar de fala, sendo que um dos principais é o mito da mulher universal, ou seja, parte-se do pressuposto de que todas as mulheres são iguais. Dessa forma, para realizar uma busca por maquiagem que se adeque aos seus tons de pele, por exemplo, precisam digitar na busca "maquiagem para pele negra", pois, caso contrário, virão apenas imagens de mulheres brancas e tutoriais de maquiagem que se adequam a esse tom de pele.

Em pleno século XXI, ainda se depara com problemas do século XIX, pois a categoria mulher ainda remete à mulher branca, como se a mulher negra não fosse mulher, a mesma pauta que fez surgir dentro do movimento feminista a reivindicação das mulheres negras de também serem representadas pelo movimento. Grada Kilomba (2017 apud RIBEIRO, 2019) cria a categorização de mulher negra, tendo como ponto de partida o diagnóstico feito por Simone de Beauvoir, no qual afirmou que a categoria mulher foi criada pela oposição à categoria homem, sem referência em si mesma, ou seja, a mulher é o outro, tudo aquilo que não é homem. Dessa forma, para Kilomba, a mulher negra é o outro do outro, pois não é homem e nem branca. Sendo assim, ela é negação do gênero e da raça predominantemente valorizados nas sociedades patriarcais.

No que se refere à quantidade de inscritos, verifica-se que o canal com maior número de inscritos é o da youtuber Victória Ferreira e que não há uma relação entre a antiguidade do canal e a quantidade de inscritos, como demonstra a tabela 2. Observa-se que este é um canal com forte discussão feminista, que inclusive dedica uma playlist com 19 vídeos a esse tema, enquanto nos demais, a discussão feminista aparece de forma secundária, predominando a questão racial. Além disso, no canal "Na veia da Nêga", é constante a abordagem sobre homossexualidade e bissexualidade.

aqui Tabela 2

Na Tabela 2 é possível visualizar o crescimento do número de inscritos no intervalo de quinze meses. O canal que apresentou a maior taxa de crescimento foi o "Papo de Preta", com um aumento de aproximadamente 80%, seguido pelo canal "Nathália Braga", com crescimento de cerca de 65%, sendo o que apresentou o menor crescimento foi o canal "Victória Ferreira", com taxa inferior a 10%. Possivelmente a causa dessa discrepância nas taxas de crescimento esteja associada à manutenção na postagem dos vídeos. Entre os canais que mais cresceram, os últimos vídeos postados não superam uma semana, enquanto no que registou o menor crescimento, os vídeos mais recentes foram publicados há mais de um ano.

Dos vídeos selecionados, o que teve maior alcance foi o do canal "Papo de Preta", pois como mostra o Gráfico 1, obteve a maior quantidade de visualizações, marcações e comentários, apesar de não ser o canal com maior quantidade de inscritos.

Imagens aqui

Os gráficos demonstram um padrão na quantidade de marcações e comentários: predominância de marcações positivas, seguidas de comentários e por fim de marcações negativas. Dentre os vídeos, os que mais se destacaram foram o do Canal "Papo de Preta", seguido pelo de Victória Ferreira, sendo que o primeiro teve aproximadamente 18% de marcações positivas a mais que o segundo. Contudo, as marcações negativas foram quase cinco vezes mais. Os outros dois vídeos seguem o mesmo padrão, mas com números bem menores em relação aos anteriores, mas relativamente parecidos entre si.

De modo geral, no que se refere aos comentários, observou-se que não são muito profundos, restringindo-se, em geral, a elogiar os vídeos e, no caso das resenhas literárias, a demonstrar interesse pela leitura ou afirmar já ter lido o livro. É interessante verificar que a grande maioria dos comentários foram feitos por mulheres e que neles há um forte tom de admiração pelas youtubers e pelos seus trabalhos. Isso reforça a importância de haver mulheres ocupando as redes sociais com o propósito de discutir temas relevantes como esses, contribuindo para a superação do machismo, do racismo, da homofobia e outras formas de preconceitos tão enraizadas na sociedade brasileira.

No canal "Na veia da nêga", os comentários concentraram-se no livro resenhado. No vídeo do canal "Nathália Braga", como também se trata de resenha literária, há muitos comentários sobre o livro e outros com elogios sobre a didática utilizada pela youtuber, dentre outros direcionados a sua pessoa.

No canal "Victória Ferreira", muitos comentários ressaltam a relevância da temática. Alguns merecem destaque: "[...] este vídeo me explicou muita coisa e enriqueceu meu conhecimento sobre o assunto [...]"; "[...] me identifico muito com tudo que vc (sic) fala, é uma voz que diz muito aqui, que tem tanta bobagem e supérfluo! [...]"; "Fiquei pensando nesse vídeo boa parte do meu dia. [...]"; "[...] E é evidente o seu crescimento, é tão importante ver mulheres como você tendo a coragem de se posicionar em um lugar conhecido como 'terra de ninguém', a internet [...]". Dentre esses comentários, percebe-se a necessidade da internet/redes sociais irem além do entretenimento e darem conta da discussão de temas sérios e relevantes, afinal nos últimos anos as redes sociais passaram a disputar com as mídias tradicionais o espaço de notícia e papel de formadora de opinião.

O vídeo que apresentou a maior quantidade de comentários com teor crítico foi o do canal "Papo de Preta". Entre tantos comentários, é natural que surjam divergências; há, então, uma maioria de comentários em apoio e uma minoria que discorda das ideias proferidas pelas youtubers. Entre os comentários, há alguns que citam o vídeo como referência para aulas, outros que mencionam conversas ou situações em que o vídeo se encaixa bem e um cita diretamente a importância da representatividade nos meios de comunicação como forma de encorajamento pessoal. A troca de ideias entre as pessoas que comentaram os vídeos foi bem pequena e entre estas e as youtubers também, pois apenas 15 dos 133 comentários foram respondidos.

Por fim, dos canais estudados dois são monetarizados pelo sistema de anúncios publicitários do YouTube -- os canais "Victória Ferreira" e na "Veia da nêga". O canal "Papo de Preta" adotou um sistema de renda diferente, através do "Apoia-se", que funciona como uma doação feita por meio de um site por pessoas que apoiam a causa defendida pelas youtubers, enquanto o canal "Nathália Braga" não dispõe de nenhum tipo de monetarização. Desse modo, a depender da decisão dos produtores de conteúdo no YouTube, tem-se a opção de obter renda ou não através de suas produções. A forma mais comum de adquirir renda direta é por meio do formato já ofertado pela rede, mas há também a opção de doações, além de ser possível a divulgação de produtos e serviços, como cursos online e consultorias. Ademais, as redes sociais também podem ser fontes indiretas de renda, pois a digulgação de vídeos e outros conteúdos gera grande visibilidade, o que abre oportunidades como convites para participar de palestras e de propagandas publicitárias.

Considerações finais

Diante do exposto, compreende-se que a produção de vídeos que discutam empoderamento, lugar de fala, racismo, feminismo, dentre tantos outros temas da militância não se configuram no empoderamento em si, mas são ferramentas que podem contribuir para esse processo.

Isso ocorre quando o ciberespaço dá voz pública aos grupos minoritários, oferecendo subsídios para as dimensões: cognitiva -- ao propor reflexões críticas sobre a realidade e situações do cotidiano, sob a percepção de quem sofre com esses problemas; psicológica -- ao falarem sobre a estética negra, padrão de beleza e, mais que isso, sendo referência para o público que vê em muitas dessas youtubers a valorização real dessa estética, o que contribui para a elevação da autoestima das seguidoras; e política -- pois conscientes das desigualdades sociais, raciais, de gênero e das relações de poder, os produtores de vídeos fazem uso desse espaço de fala para discutir esses temas e, assim, conseguem atrair pessoas que também já se apropriaram desses discursos. Dessa forma, constroem uma coletividade, além de atingir por meio dos vídeos sujeitos que ainda não estão conscientes dessa necessidade, fazendo-os refletir sobre essas questões.

Além disso, no que tange à dimensão financeira, o YouTube pode ser uma fonte direta de renda para os proprietários dos canais e pode ser uma fonte indireta para aqueles que, através dos vídeos, constroem conhecimento suficiente para iniciar um empreendimento ou que utilizam a rede social para divulgar serviços e produtos que oferecem. Todavia, se a renda gerada ocorre de maneira isolada, sem um retorno coletivo e apartada de um discurso crítico reflexivo, não se configura como empoderamento.

Estando atentas a essas questões, as redes sociais podem apontar para a quebra de um sistema vigente que invisibiliza as narrativas dos grupos minoritários; os vídeos em si não transformarão o sistema, mas podem contribuir para a mudança dos sujeitos, que, se tornando empoderados, poderão formar uma coletividade empoderada, capaz de promover transformações sociais -- a essência da Teoria do Empoderamento e da Teoria da Conscientização de Freire.

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