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Legenda

O IMIGRANTE DIGITAL: REFLEXOS DE UMA MUDANÇA CULTURAL

Dione Maria Almeida Marques1

Ana Maria Almeida Marques 2

Resumo

O progresso das tecnologias leva a sociedade a um caminho sem volta: mudanças de atitudes, construção de valores, inserção de novos conceitos e formas de ver o mundo cada vez mais aliado à interatividade. O ensino a distância surge nesse cenário, com outro formato de aprendizagem e trazendo novos conceitos, dentre eles, o imigrante digital, protagonista no novo cenário da aprendizagem, que será discutido e entrelaçado com a questão da mudança cultural. Tem-se por objetivo identificar os limites do aprender do sujeito nessa modalidade, de modo que o mesmo possa superar os obstáculos do processo de conhecimento. Assim, o estudo foi dividido em três partes, inicialmente abordaremos a inserção no EaD no Brasil e seus índices de crescimento; após, discorreremos sobre o pensamento e conceitos de autores que estudam essa temática e por fim, discutiremos sobre os limites e possibilidades enfrentadas pelo imigrante digital e consequente mudança de cultura. Escolhemos como estratégia metodológica bibliografias específicas relacionadas ao tema, de forma que pudessem alcançar os objetivos propostos. Os resultados demonstraram que há limites para o aprendizado do imigrante digital, porém, há possibilidades positivas de sua amplitude e consequente mudança de cultura.

Palavras-chave: Imigrante digital. Cultura. Ensino a distância.

1. Introdução

O mundo tem se apresentado interativo, na medida em que não se consegue viver sem celular, home banking, cartões de crédito, internet, voto eletrônico, e-mail, e muitos outros espaços digitais que estão inseridos no cotidiano. Antigamente os adultos se encontravam em determinado espaço físico, o professor explicava a disciplina, havia uma interação direta do homem com o homem e iniciavam-se relacionamentos interpessoais.

Atualmente se estabelece um novo padrão comportamental, que aos poucos vai implantando outra forma de aprender, de ver e de ser no mundo, interferindo substancialmente no processo de transformação e evolução social, modificando hábitos, valores, linguagens, tradições, crenças, e por fim, estabelecendo uma mudança cultural.

O ensino a distância trouxe muitos benefícios para a capacitação do ensino superior, porém percebe-se a necessidade de um melhor entendimento de como os imigrantes digitais (indivíduos nascidos antes da década de 1980) apreendem essa nova formatação da educação, a partir do momento em que precisam se adaptar a cultura das redes sociais e modificar toda uma conjuntura de aprendizado.

A temática da pesquisa surgiu a partir da necessidade de compreensão de como o ensino a distância influencia na vida das pessoas que não nasceram na ``era digital'', que apresentam dificuldades e exige que trilhem por novos caminhos.

Objetiva-se, assim, compreender o conceito de imigrante digital, dedicando-se com mais afinco à exploração das dificuldades no processo de ensino-aprendizagem, seus limites e possíveis superações, buscando compreender a mudança cultural ocorrida durante esse processo. No tocante ao desenvolvimento do estudo, pretende-se apresentar a inserção do EaD no Brasil, estabelecendo uma visão panorâmica de sua história e de seus índices de crescimento.

A metodologia de pesquisa utilizada possui caráter bibliográfico, explicativo e indireto, que, conforme Mattos, Rossetto Jr. e Blecher (2004), utilizam informações, conhecimentos e dados coletados anteriormente por outros pesquisadores e dispostos em diversos formatos, tais como artigos, livros, leis e revistas.

2. Inserção do EaD no Brasil e índices de crescimento

O Ensino a distância não é algo recente, tendo seu surgimento se dado por meio de correspondência, evoluindo, posteriormente para transmissão em rádio, televisão, fita cassete, e finalmente, atingiu seu caráter inovador com a utilização da teleconferência e da internet, com o propósito de atingir um maior público transformando a realidade da educação brasileira. Maia e Mattar entendem que no Brasil:

Há registros de cursos de taquigrafia a distância, oferecidos por meio de anúncios de jornais, desde a década de 1720. Entretanto, a EaD surge efetivamente em meados do século XIX, em função do desenvolvimento de meios de transportes e comunicação (como trens e correio), especialmente com o ensino por correspondência (2007, p. 21).

Em 1996, foi publicada a Lei nº 9.394/1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, sendo considerada o marco legal da expansão do EaD no Brasil, e que vem conquistando cada vez mais espaço, crescendo de forma vertiginosa e atingido um público sem fronteiras. Em 2007, Maia e Mattar já afirmavam que:

O crescimento do mercado de educação a distância (EaD) é explosivo no Brasil e no Mundo. Dados estão disponíveis por toda parte: cresce exponencialmente o número de instituições que oferecem algum tipo de curso a distância, o número de cursos e disciplinas ofertados, de alunos matriculados, de professores que desenvolvem conteúdos e passam a ministrar aulas a distância, de empresas fornecedoras de serviços e insumos para o mercado, de artigos e publicações sobre EaD, crescem as tecnologias disponíveis, e assim por diante (2007, p. 13).

Os dados do Censo EaD 2015 e 2017 da Associação Brasileira de Educação a Distância, revelam o aumento da modalidade em uma amostra da pesquisa realizada em 368 instituições de ensino superior do país, onde passou de 148.222 alunos matriculados em licenciaturas para 215.450; 134.262 em bacharelado e licenciatura (cursos mistos), para 253.545; 119.362 em graduação tecnológica para 214.450; 106.216 em pós-graduação lato sensu (MBA) para 146.420; e 21.249 em pós-graduação lato sensu (especialização) para 35.710, perfazendo um total de 529.311 alunos matriculados em 2015 e 865.575 alunos matriculados em 2017, contabilizando um aumento de 63\% (CENSO EAD, 2018).

A expansão do EaD é motivada por diversos fatores, dentre eles a implantação de políticas governamentais com disponibilização de bolsas educacionais, tais como: ProUni, UAB e FIES, por outro lado, as instituições particulares criaram dispositivos similares, visando proporcionar acesso educacional às pessoas que não possuem condições financeiras para arcar com a mensalidade integral, a exemplo: o Programa Educa Mais Brasil, Quero Bolsa, etc.

Outros fatos causadores do elevado índice de crescimento educacional à distância são derivados do déficit da formação superior, da exigência de qualificação do mercado de trabalho, do valor da mensalidade atrativa se comparada ao ensino presencial, da flexibilidade de horário de estudo, entre outros.

3. Os imigrantes digitais e a mudança cultural

Estudiosos têm conceituado de diversas maneiras o EaD, e trazem características comuns: a temporalidade, a espacialidade e a sociabilidade globalizada. Macedo (2000) compreende a educa­ção on-line como um processo complexo, mediado por interfaces digitais, desterritorializado e reterritorializado de saberes e conhecimentos, por outro lado, Masetto aduz que,

... neste processo de aprendizagem novos espaços surgem como ambientes virtuais criados por meio da telemática e informática. Internet para pesquisa, e-mails, fóruns, chats, grupo, listas de discussões, portifólios, sites, wikis, vídeos, teleconferências são novos ambientes em que os discentes podem navegar para promover seu aprendizado. Estes recursos criam ambientes virtuais que podem servir de complemento aos ambientes presenciais ou serem usados em situações de aprendizagem à distância (2010, p. 95).

O espaço acadêmico, pela condição que oferta a seu público é, por excelência, o lócus para a vivência de ensino-aprendizagem. Contudo, tal espaço primordial para a aprendizagem precisa se ressignificar constantemente, atualizando suas práticas em razão das transformações sociais.

É nesse sentido, a necessidade de possibilitar a inserção do imigrante digital, cuja definição trabalhada por Souza, transcreve-se abaixo:

... indivíduos que nasceram em um período considerado analógico''. Esses indivíduos nascidos antes da década de 1980 são acostumados com papel, livros, jornais impressos e possuemSotaques'' - terão sempre que se adaptar ao período tecnológico atual. A oportunidade do imigrante digital se inserir nesse novo contexto de ensino pode tornar seu aprendizado potencializado, considerando que extrapola o tempo e o espaço na construção do conhecimento (PRENSKY, 2001 apud SOUZA, 2013, p. 77).

Nessa ``virtualização do conhecimento'', o ambiente educacional tem exercido um papel fundamental na construção de ideias, hábitos, valores e convicções, não estando fora dessa inserção mercadológica surgida, com maior ênfase, nos anos 2000.

Destarte, a mudança comportamental na era digital surge de modo instantâneo, atingindo um grande número de pessoas e alterando sua forma de ver o mundo. Hoje, as notícias, os fatos e acontecimentos são transmitidos em tempo real, e o imigrante digital precisa ter inserção nesse ``mundo'' para conseguir entender o fluxo de informações que se processa ao seu redor. Quando não ocorre esse processamento, o homem passa a ter uma visão limitada ao seu espaço físico e virtual.

O Homem é um ser que interage e se adequa e esse movimento faz parte da evolução, desde os primórdios, quando necessitou de utensílios para auxiliá-lo na busca do alimento, depois veio o fogo, a roda, a escrita, a energia elétrica, entre tantos outros, até chegar à era digital.

Dessa maneira buscou-se também, por meio do presente trabalho, a compreensão do termo cultura, e do movimento que se estabelece entre as duas gerações: uma que passa o conhecimento e outra que absorve parcialmente as experiências e cria um novo modo de vida. Assim, Souza ressalta o pensamento de Levy sobre essa dinâmica:

... a cultura é definida como a junção entre diferentes mundos em processo constante de transformação, decorrente de uma contínua evolução do homem nas áreas dos saberes, formas de comunicação, inovação tecnológica, poder de criação, sensibilidade e consciência coletiva (LEVY, 2001 apud SOUZA, 2013, p. 20).

Nota-se a convivência, no ambiente acadêmico, da prática oralista presencial, com tempo e espaço pré-estabelecido, simultânea à virtual caracterizada por sua atemporalidade e sua desterritorialização. Esse entrelaçamento de culturas não é uma empreitada simples, é um processo lento e dinâmico, no qual a educação precisa se inserir, reinventando técnicas e estratégias diante de uma sociedade que possui uma cultura milenar de ensino corpo a corpo. Isso não significa dizer que se deve ''maquiar'' velhas práticas com tecnologia, ou ainda, pela improvisação, mas construir um conhecimento mais amplo, completo e flexível, que possibilite qualificar um maior número de pessoas.

Nessa modalidade de ensino não basta assistir as aulas, ou ler os textos, é fundamental ir além, buscando novas leituras e discussões sobre a temática abordada nos cursos, bem como levar em consideração a importância do docente como contributo de autonomia e do autodidatismo. O aluno precisa entender que para se utilizar do EaD é necessário compreender os conceitos e permitir-se mudar de atitudes, a fim de que possa enfrentar as exigências desse novo formato de aprender. Nessa reflexão:

...o ser humano possui a necessidade de se produzir e reproduzir como sujeito no interior de uma cultura. Além disso, deve-se participar diretamente das metamorfoses das maneiras de ser e de fazer sociedade, ao invés de ser apenas passivos frente a essas mudanças, já que são essas diferenciações que caracterizam a nova fase do devir humano (LEVY, 2001 apud SOUZA, 2013, p. 28).

O EaD não é uma metodologia de fácil entendimento e manuseio para os imigrantes digitais, e esse fator interfere na forma de aprendizagem, considerando que parte dos alunos do ensino superior, especialmente dos cursos \emph{lato sensu}, é uma geração acostumada com o professor em sala de aula, com as relações interpessoais físicas e com a didática de corpo a corpo. Pozo e Pérez Echeverría afirmam que

... a nova cultura da aprendizagem exige um novo perfil de aluno e de professor, exige novas funções discentes e docentes, as quais só se tornarão possíveis se houver uma mudança de mentalidade, uma mudança nas concepções profundamente arraigadas de uns e de outros sobre a aprendizagem e o ensino para encarar essa nova cultura da aprendizagem (2001, p. 51).

Nesse ínterim, observa-se a dificuldade do imigrante digital em manusear as ferramentas computacionais, muitas vezes falta paciência para o aprender, outras percebe-se a dificuldade para entender o que cada tela, arquivo, ícone, vídeo, fórum ou mensagem querem mostrar. O que parece descomplicado para o nativo digital nem sempre tem a mesma representatividade para o imigrante, pois a ``cultura do concreto'' não permitiu o desenvolvimento da capacidade de abstração com a mesma fluidez.

Considerando que o espaço acadêmico é primordial para a aprendizagem e necessita estar em constante processo de atualização, sabe-se que os limites do imigrante digital variam desde o desconhecimento; à questão financeira; a falta de condições objetivas de aprendizagem; a ausência de ambiência e apoio informatizado para as demandas prementes; a necessidade de adaptação a esse novo tipo de ensino, onde o aluno precisa ser disciplinado e autônomo; onde não há cobranças por frequências e as amizades e trabalhos acadêmicos são virtuais.

Não é tarefa fácil para o aluno a adequação virtual de aprendizagem, apesar de grande parte da sociedade se utilizar de internet para inúmeras atividades, especialmente a telefônica e bancária. Contudo, o ``aprender sozinho'', diante de um sistema diferente e pouco usual, como é o caso das plataformas eletrônicas de ensino, exige uma maior dedicação, motivação e vontade de permanecer aprendendo.

4. Considerações finais

Ao finalizar este estudo percebe-se que o imigrante digital deve fazer suas próprias escolhas de inserção de novas metodologias, mesmo sendo difícil superar as dificuldades do sistema educacional/computacional, e o professor/tutor pode mediar a aproximação dessas tecnologias aos diversos conteúdos propostos, com vistas à qualidade do ensino, com uma percepção crítica sobre as inovações tecnológicas e as mudanças culturais que ela pode provocar no aprendizado do aluno.

Assim, entende-se que os problemas precisam ser superados pelos discentes, e que é importante estar aberto às mudanças, ter disposição para se adaptar às atividades e ao desenvolvimento dos estudos no ambiente virtual, que tem condições de fluir de forma prazerosa e agradável para o aluno. Um segundo passo para essa mudança é a aceitação que os meios virtuais podem servir como ambientes para o melhor aprendizado dos discentes.

Considerando as limitações metodológicas e o contexto de realização desta investigação, os resultados encontrados demonstram que há evidências positivas da inserção do ensino a distância para os imigrantes digitais e que essa ferramenta veio contribuir para um desenvolvimento quantitativo e qualitativo do conhecimento.

Referências

CENSO EAD.BR. Relatório analítico da aprendizagem a distância no Brasil, 2017. Associação Brasileira de Educação a Distância (Org.). Trad. Maria Thereza Moss de Abreu. Curitiba: InterSaberes, 2018. Disponível em: http://abed.org.br/arquivos/CENSO\_EAD\_BR\_2018\_digital\_completo.pdf\. Acesso em: 23 jul. 2019.

MAIA, C. e MATTAR, J. ABC da EaD: educação a distância hoje. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2007.

MASETTO, Marcos T. Competência pedagógica do professor universitário. São Paulo: Summus, 2012.

MATTOS, Mauro Gomes; ROSSETTO JR., Adriano José; BLECHER, Shelly. Teoria e prática da metodologia da pesquisa em educação física. São Paulo: Phorte, 2004.

POZO, Juan Ignácio; PÉREZ ECHEVERRÍA, M.P. As concepções dos professores sobre a aprendizagem: rumo a uma nova cultura educacional. Pátio. Revista Pedagógica, n.16, p. 19-23, 2001.

SOUZA, Marcos de. O Real Conceito de Nativos e Imigrantes Digitais nas Redes Sociais Digitais: conceitos, vivências e comportamento. 2013. Dissertação (Mestrado em Cognição e Linguagem). Centro de Ciências do Homem, Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Campos dos Goytacazes/RJ, 2013.

1 Universidade Federal do Ceará - dionemariamqs@yahoo.com.br

2 Universidade Estácio do Ceará - mrqsana@gmail.com