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DESAFIOS E INOVAÇÕES DO CURSO SUPERIOR DE TECNOLOGIA EM DESIGN EDUCACIONAL A DISTÂNCIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO: PANORAMA DA VIVÊNCIA ESTUDANTIL DA PRIMEIRA TURMA

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Naomy Inocêncio Faleiros1

Profa. Dra. Izabel Patrícia Meister2

Resumo

Recentemente, a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) tornou-se pioneira no campo do Design Educacional ao criar o primeiro curso de graduação à distância na área com o objetivo de formar profissionais numa perspectiva multi e interdisciplinar. O objetivo desse estudo foi mapear o perfil do ingressante da primeira turma desse curso, compreendendo os desafios e inovações por ele trazidos na perspectiva dos próprios ingressantes, dos professores e da equipe multidisciplinar. A partir de uma abordagem mista qualitativa/quantitativa, foi realizada a aplicação de questionários individuais disponibilizados online, via Google Forms. Além do mapeamento do perfil dos ingressantes - adultos, inseridos no mercado de trabalho e que procuravam por uma formação continuada -- verificou-se que um dos principais desafios apontados por eles foi a organização didático-pedagógica do curso. Já entre as inovações, as mais citadas foram a ampliação ou aprofundamento do conhecimento e a estimulação da criatividade. Na perspectiva docente, os principais desafios se relacionaram aos aspectos pedagógicos e tecnológicos, percebidos como experiências positivas agregadoras de valor às suas carreiras e ao aprimoramento do próprio curso, situação semelhante encontrada na equipe multidisciplinar.

Palavras-chave: Educação a distância. Design educacional. Design instrucional. Ensino superior. Ensino da tecnologia.

1. Introdução

Em 2006, a criação da Universidade Aberta do Brasil (UAB), por meio do Decreto 5.800 (BRASIL, 2006), consolidou o processo expansionista da educação à distância (EaD) iniciado em décadas anteriores, principalmente em relação à democratização do ensino, ao proporcionar o acesso à educação para regiões e grupos que até então não tinham essa possibilidade (BORGES et al., 2016). A partir daí, houve um crescimento expressivo do número de matrículas e de cursos a distância (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA, 2018), o que provocou, consequentemente, a necessidade de profissionalização daqueles que atuavam no campo e que careciam de conhecimentos mais específicos, tanto tecnológicos quanto pedagógicos. Foi nesse contexto profícuo que o Design Educacional (DE) se firmou enquanto campo do conhecimento e profissão no Brasil, tendo recebido a regulamentação pela Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) em 2009 (MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, 2009).

A demanda por esse profissional é crescente, tendo-se em vista o entendimento de que a construção de cursos em EaD não é uma simples transposição de conteúdos trabalhados presencialmente (REISER, 2001), sendo necessário, portanto, um profissional que desenvolva projetos educacionais, organize cursos, gerencie pessoas, crie, desenvolva, escolha e utilize tecnologias, ferramentas e soluções para a implementação de programas educacionais (INTERNATIONAL BOARD OF STANDARDS FOR TRAINING, PERFORMANCE AND INSTRUCTION, 2012).

Com o objetivo de formar profissionais nessa área, numa perspectiva multi e interdisciplinar, foi que a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em 2017, por meio do Núcleo da Universidade Aberta do Brasil (UAB-Unifesp), tornou-se pioneira ao ofertar a primeira turma do curso de graduação à distância em Tecnologia em Design Educacional (TEDE), uma formação superior tecnológica em regime semestral e prazo mínimo para integralização de dois anos e meio. Além das disciplinas obrigatórias, desenvolvidas num ambiente virtual de aprendizagem integrado ao sistema acadêmico, os alunos podem cursar disciplinas eletivas, que propiciam uma formação complementar e permitem a interação com alunos de outros cursos da universidade, já que uma parte é ofertada como ''intercampi''. Há, ainda, momentos presenciais, em que são realizadas atividades avaliativas e de interação entre os alunos.

Nesse sentido, um estudo sobre o TEDE, que, pelo seu ineditismo, tende a ser considerado um modelo para outras instituições, contribui não só para a compreensão dos desafios e inovações trazidos por uma graduação específica como essa, mas também para o melhor entendimento das tecnologias interativas, ações colaborativas e autônomas dos envolvidos -- alunos, docentes e equipe multidisciplinar, indicação de novos desenhos e configurações para as futuras ofertas, e para a própria atividade do designer educacional. Contribui ainda para a quebra de estereótipos naturalizados sobre a educação a distância, o ingressante e seu perfil, sobre os domínios tecnológicos, colaborativos e de construção de conhecimento científico em cenários educacionais contemporâneos de caráter complexo.

Assim, o principal objetivo desse estudo foi mapear o perfil do ingressante dessa primeira turma, compreendendo os desafios e inovações trazidos por essa nova graduação a partir da perspectiva dos ingressantes, dos professores e da equipe multidisciplinar.

2. Desenvolvimento

A pesquisa foi desenvolvida a partir de uma abordagem mista qualitativa/ quantitativa, que propõe um processo de coleta e análise de dados quantitativos e qualitativos em um mesmo estudo, o que Lincoln e Gubba denominaram de ''o cruzamento de enfoques'' (2000, apud SAMPIERI, CALLADO & LUCIO, 2013). Para tanto, optou-se pela construção e aplicação de questionários utilizando-se a ferramenta Google Forms, contendo questões fechadas de múltipla escolha (em que o respondente deve escolher uma dentre várias alternativas), questões fechadas utilizando-se a escala de Likert (em que o respondente escolhe seu nível de concordância em relação à afirmativa apresentada) e questões abertas (em que o respondente deve dissertar). Os dados coletados nas questões fechadas foram planilhados pela ferramenta Google Forms. Para os dados coletados nas questões abertas, foi realizada uma análise do conteúdo baseada em Bardin (1977).

Entre maio e junho de 2018, foi realizada a aplicação dos questionários, sendo considerados participantes os alunos, docentes e técnicos da equipe multidisciplinar que concordaram em participar voluntariamente da pesquisa, nos termos da resolução CNS 196/96 (BRASIL, 1996), inclusive por consentimento expresso por escrito via Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE. É importante ressaltar que o projeto de pesquisa já havia recebido a aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa da Unifesp -- número 1273/2017.

2.1 Perspectiva dos estudantes

A partir dos dados fornecidos pelos respondentes, verificou-se uma certa equivalência entre os gêneros, um pouco diferente do encontrado no último Censo EaD.BR (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA, 2018). Quanto à faixa etária, observou-se que boa parte dos alunos, 43%, tem entre 41 e 50 anos, cerca de quinze anos a mais do que a faixa etária de maior incidência em cursos EaD apresentada no referido censo, e é casado(a).

A maioria, 71%, tinha filhos e trabalhava concomitantemente à graduação. As áreas de trabalho mais citadas foram educação e serviço público (municipal, estadual ou federal). Além disso, boa parte referiu que dedicava, semanalmente, entre 11 e 30 horas aos estudos, período de tempo próximo àquele sugerido no Projeto Pedagógico do Curso, qual seja, 20 horas. Verificou-se ainda que a maioria dos alunos afirmou possuir um conhecimento ''regular'' em informática quando do ingresso no curso, além de ter acesso a um computador em suas residências.

Baseado em Oliveira (2005), foi estabelecido um Ranking Médio (RM) para as respostas às questões que utilizaram a escala Likert, no sentido de se averiguar o grau de concordância ou discordância dos respondentes. Nas dimensões ''papel do corpo docente do curso'', ''papel da coordenação do curso'', ''infraestrutura do curso'' e ''autoavaliação'' encontrou-se um índice de concordância dos alunos em quase todos os itens. A exceção foi o feedback das atividades realizadas, havendo, nas questões abertas, um claro apontamento sobre a ausência de feedback por parte dos docentes como uma das dificuldades encontradas pelos alunos ao longo do curso.

Já na dimensão ''organização didático pedagógica do curso'', verificou-se que boa parte dos itens a ela relacionados ficaram com um índice intermediário, devido à atribuição, por parte dos respondentes, de uma pontuação discordante ou neutra em maior frequência. É importante destacar que um desses itens versou sobre os materiais didáticos, sendo possível depreender que os alunos tiveram certa reticência quanto à possibilidade destes promoverem a autonomia nos estudos. Outro item a se destacar foi o Ambiente Virtual de Aprendizagem, indicando que os alunos sentiram alguma dificuldade com essa ferramenta.

Os dados brutos coletados nas questões abertas foram organizados em três categorias. Na primeira, ''dificuldades encontradas no curso'', notou-se uma forte semelhança com os achados de Laham e Lemes (2016), a exemplo de prazos exíguos para a entrega das atividades, ambiente virtual de aprendizagem pouco intuitivo, ausência ou demora nos feedbacks dos docentes e dificuldade em conciliar o curso com a vida profissional e familiar.

Na segunda categoria, ''aspectos positivos do curso'', os mais citados foram: ampliação ou aprofundamento do conhecimento, inovação tecnológica, interação com docentes e entre discentes, atividades extracurriculares de pesquisa e extensão e estimulação da criatividade. Na terceira e última categoria, ``sugestões de melhoria e sentimentos'', houve uma diversidade de falas, geralmente relacionadas às duas categorias anteriores.

2.2 Perspectiva dos docentes

A partir dos dados sociodemográficos coletados, verificou-se uma leve prevalência do gênero masculino sobre o feminino, perfil também encontrado nos estudos de Cassundé (2015) e Leal (2017). Quanto à faixa etária, a maioria tinha mais de quarenta e cinco anos, era casado(a) e possuía filhos. Todos os respondentes eram doutores, possuindo áreas de formação diversas, perfil um pouco diferente do encontrado por Cassundé (2015), em que os docentes ainda estavam passando pelo doutoramento e também por Leal (2017), em que apenas 34,3% dos docentes eram doutores.

Os dados brutos coletados nas questões abertas foram organizados em seis categorias. Na primeira, ''profissão do Designer Educacional'', verificou-se que parte deles já tinha tido experiências anteriores com profissionais que exerciam as funções do DE, embora nem sempre com essa denominação. Na segunda, ''processo de planejamento do curso'', ficou evidenciado que apesar de dificuldades vividas, o planejamento do curso ocorreu de forma colaborativa. Na terceira, ''problematização do público-alvo'', a maioria dos docentes afirmou esperar ''jovens de primeira graduação'', um perfil muito diverso daquele que efetivamente ingressou do curso.

Na quarta categoria, ''visão docente sobre os alunos'', foi mencionado que os alunos se mostraram interessados, assíduos e, gradativamente, apresentaram mais autonomia e amadurecimento acadêmico, profissional e pessoal, embora ainda adotassem uma postura passiva nos estudos, que impedia ou dificultava o acompanhamento das atividades sugeridas. Na quinta, desafios e imprevistos encontrados'', foram feitos apontamentos diversos relacionados a dificuldades tecnológicas e pedagógicas. Na sexta e última categoria,contribuições para a carreira'', as experiências no curso foram consideradas positivas e agregadoras de valor à carreira docente.

2.3 Perspectiva da equipe multidisciplinar

A partir dos dados sociodemográficos coletados, verificou-se que a maioria, 60%, era do gênero feminino, solteiro (a), estando na faixa etária de 31 a 45 anos. Além disso, 80% não possuía filhos. Todos tinham formação em nível superior e atuavam em funções relativas ao design educacional, produção de vídeo e desenho/editoração. A dedicação ao TEDE variou entre seis e vinte horas semanais.

Os dados brutos coletados nas questões abertas foram organizados em quatro categorias. Na primeira, ''profissão do Designer Educacional'', apenas um profissional mencionou que não conhecia a profissão antes de atuar na equipe multidisciplinar do TEDE. Na segunda, ''participação da equipe no processo de planejamento do curso'', foi mencionada que a interação existente entre a equipe e os docentes ocorria apenas nos momentos de construção da identidade visual das unidades curriculares semestrais, incluindo-se aí materiais e recursos. Na terceira, ''demandas e dificuldades apontadas pelos alunos'', verificou-se que não havia um feedback direto entre os alunos e a equipe, sendo os docentes considerados o ''contato zero'' dos alunos. Na quarta e última categoria, ''contribuições para a carreira'', as experiências com o curso foram relatadas como positivas e desafiadoras.

3. Conclusão

Após analisar os dados coletados, constatou-se que o perfil do ingressante da primeira turma do TEDE - Unifesp é muito semelhante ao de outras pesquisas na área da EaD, inclusive quanto à taxa de evasão, cerca de 50%. Em relação aos desafios trazidos por essa nova graduação, na perspectiva dos ingressantes, um dos principais apontados foi a organização didático-pedagógica do curso, também relatada em estudos análogos, sendo considerada uma das principais causas para a evasão em cursos nessa modalidade. Já as principais inovações se referiram à ampliação ou aprofundamento do conhecimento, interação com docentes e entre discentes, atividades extracurriculares de pesquisa e extensão e estimulação da criatividade.

Na perspectiva docente, os principais desafios se relacionaram aos aspectos pedagógicos e tecnológicos do curso, percebidos como experiências positivas, que agregaram valor às suas carreiras e proporcionaram oportunidades de aprimoramento (inovações).

Os desafios apontados pela equipe multidisciplinar se relacionaram à busca pelo aprimoramento do ambiente virtual de aprendizagem e elaboração dos materiais e recursos a serem disponibilizados. Assim como os docentes, esses desafios foram experienciados pela equipe como positivos e considerados fonte de inovação.

Referências

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA. Censo EAD.BR: relatório analítico da aprendizagem a distância no Brasil 2017-2018. Intersaberes, Curitiba, 2018. Disponível em: http://abed.org.br/arquivos/CENSO_EAD_BR_2018_digital_completo.pdf. Acesso em: 16 jul. 2019.

BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.

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BRASIL. Decreto 5.800 de 08 de junho de 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/decreto/d5800.htm. Acesso em: 20 mai. 2017.

BORGES, G.R et. al. A relação entre o perfil dos alunos que cursam EaD e os motivos de escolha desta modalidade. Revista de Administração da Unimep, v. 14, n. 3, p. 80-101, 2016. Disponível em: http://www.redalyc.org/html/2737/273749459004/. Acesso em: 20 mai. 2017.

CASSUNDÉ, F. R. S. A. Desenvolvimento de E-competências para o Ensino na EAD e a Influência das Condições Institucionais: um Estudo em uma IES Federal. 182 f. 2015. Tese (Doutorado em Administração). Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2015.

INTERNATIONAL BOARD OF STANDARDS FOR TRAINING, PERFORMANCE AND INSTRUCTION. Instructional Designer Competencies. 2012. Disponível em: http://ibstpi.org/. Acesso em: 07 jul. 2018.

LAHAM, S.A.D; LEMES, S.S. Um Estudo sobre as possíveis causas de evasão em curso de Licenciatura em Pedagogia a distância. RPGE-- Revista on line de Política e Gestão Educacional, v. 20, n. 3, p. 405-431, 2016.

LEAL, F.F.A. Análise do Perfil do Professor de EAD Frente à E-Competência. 2017. 97 f. Dissertação (Mestrado). Universidade FUMEC, Belo Horizonte, 2017.

MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO (MTE). Classificação Brasileira de Ocupações. 2009. Disponível em: www.mtecbo.gov.br. Acesso em: 20 mai. 2017.

OLIVEIRA, L.H. Exemplo de cálculo de Ranking Médio para Likert. Notas de Aula. Metodologia Científica e Técnicas de Pesquisa em Administração. Mestrado (Administração e Desenvolvimento Organizacional). FACECA, Varginha, 2005.

REISER, R. A History of Instructional Design and Technology: Part II: A History of Instructional Design. Educational Technology Research and Development, v. 49, n. 2, p. 57-67, 2001.

SAMPIERI, R.H.; CALLADO, C.F.; LUCIO, M.P.B. Metodologia de pesquisa. 5a edição. Porto Alegre: Ed. Penso, 2013.


  1. Universidade Federal de São Paulo -- naomyinocencio@yahoo.com.br 

  2. Universidade Federal de São Paulo -- i.meister@unifesp.br