GEOQUÍMICA, RELAÇÃO FLÚOR-SAÚDE E QUALIDADE DAS ÁGUAS SUBTERRÂNEAS DE DOMÍNIOS CÁRSTICOS DA BACIA DE IRECÊ, BAHIA (BR)¶
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Rodrigo Alves Santos1
Manoel Jerônimo Moreira Cruz[^2]
Manuel Vitor Portugal Gonçalves[^3]
Antônio Bomfim da Silva Ramos Junior[^4]
Flavio Souza Batista[^4]
Resumo¶
Esta pesquisa almejou investigar a distribuição dos teores de fluoreto nas águas do Aquífero Salitre, no contexto dos domínios cárstico de Irecê, no centro-norte da Bahia. Foram amostradas de 57 poços tubulares, sendo mensuradas _in situ} as variáveis pH, ORP, CE, STD, com sonda multiparâmetros, cátions (Na^{+}, K^{+}, Ca^{2+}, Mg^{2+}) (ICP-OES), ânions (HCO_{3}^{-}, Cl^{-}, SO_{4}^{2-}, N-NO_{3}^{-}) e fluoreto (SPANDS). Os resultados mostraram valores do pH de 6,3 a 8,8 e dos STD de 237 a 3492 mg.L^{-1}. Os valores do flúor excederam o limite ótimo (0,8 mg.L^{-1}) para 20% das amostras, cujo consumo dessa água configura um fator de risco de fluorose dentária, cabendo o monitoramento dos teores do flúor e a vigilância ambiental em saúde.
Palavras-chave: Hidrogeoquímica, Geologia Médica, Fluorose Endêmica.
1. Introdução¶
A relação flúor-saúde humana tem relevância mundial, porque a ingestão de água com níveis tóxicos de flúor representa a principal via de exposição (KOMATI; FIGUEIREDO, 2013). Nas rochas, a fluorita é o mineral de flúor mais comum na natureza, que também ocorre em anfibólios, micas, fluorapatita, trapézio e criolita, em que o intemperismo químico dos minerais nas rochas disponibiliza flúor para os ecossistemas (GUPTA et al., 2005).
As águas subterrâneas dos Domínios Cársticos da Bacia de Irecê, centro-norte da Bahia (Figura 1), são usadas no abastecimento público, devendo sua composição geoquímica ser estudada; bem como as condições de potabilidade e os seus significados à saúde coletiva.
**2. Aspectos Socioeconômicos, Clima e Hidrogeológico¶
A Bacia de Irecê está situada na porção centro-norte da Bahia, tem área de 22.748 km^{2}, e abrange 19 municípios, como Irecê, Central, Cafarnaum, Souto Soares, Iraquara, João Dourado e Jussara (Figura 1). Está inserida, de maneira geral, na região semi-árida e possui irregularidade na distribuição das chuvas, observando-se variações de 500 a 700 mm/ano à Norte da área e entre 600 e 1200 mm/ano à Sul, o que interfere na dinâmica hídrica regional.
Figura 1: Mapa de localização e distribuição das superfícies potenciométricas.
O Aquífero Cárstico-Fissural estudado está hospedado nas rochas neoproterozóicas pelito-carbonáticas da Formação Salitre, que constitui do Grupo Una, na Bacia de Irecê (MISI et al., 2012). Neste contexto, os poços selecionados para a caracterização hidrogeoquímica estão localizados, principalmente, nas sequências carbonáticas da Formação Salitre, principal formação aquífera regional, devido a grande quantidade e potencialidade de poços presentes.
As superfícies potenciométricas revelam divisores de água nas porções E-W, central e sul da Bacia, e cotas máximas no contato NE com o Grupo Chapada Diamantina (Figura 1). Na porção central, o fluxo preferencial segue na direção do vale do rio Jacaré; à leste da cidade de Irecê situa-se o alto potenciométrico (800 m), cujos fluxos divergem radialmente. Ao norte de Souto Soares, localiza-se o alto potenciométrico que funciona como divisor de águas entre as bacias hidrográficas dos rios Paraguaçu (sul) e Jacaré (centro-norte), e a drenagem subterrânea se desloca, preferencialmente, a partir de Souto Soares no sentido SE.
3. Materiais e Métodos¶
Foram tomadas amostras de água de 57 poços tubulares perfurados nas rochas carbonáticas da Bacia de Irecê, durante os períodos de estiagem (2012) e chuvoso (2014), mensurando-se in situ} as variáveis pH, CE, STD, com sonda multiparâmetros (_Horiba U-50), cations (Na^{+}, K^{+}, Ca^{2+}, Mg^{2+}) (ICP-OES), ânions (HCO_{3-}, Cl^{-}, SO_{4}^{2-}) e fluoreto (SPANDS).
Obteve-se o teor ótimo local de fluoreto (C) para a água de distribuição, em função da temperatura média do ar local (T), de acordo com Galagan & Vermillion (1957). Também, foi obtido o índice de saturação (IS) e a classificação: subsaturada (IS < -0,5), equilíbrio químico (IS: -0,5 e 0,5) e supersaturada (IS < -0,5), segundo Merkel e Planer-Friedrich (2012). A estatística abrangeu a análise de agrupamentos, a distância euclidiana e o método de Ward.
4. Resultados e Discussão¶
4.1. Hidrogeoquímica e Análise de Agrupamentos¶
A Figura 2 a-d apresenta a classificação das amostras em grupos hidroquímicos, com auxílio da técnica de análise de agrupamento, pela observação visual do Dendograma. A linha de corte foi marcada no dendograma a uma distância de 13, sendo as amostras com distância de ligação inferior agrupadas na mesma categoria. Isto permite uma divisão dos dendogramas em quatro grupos sazonais de água subterrânea, indicando as principais fácies hidroquímicas.
%Figura 2 - Dendrograma e classificação de Stiff mostrando a divisão dos %fáceis hidroquímicos nas amostras de água subterrânea do período de %estiagem (a) e (b) e chuvoso © e (d)
Figura 2: Dendrograma e classificação de Stiff mostrando a divisão dos fáceis hidroquímicos nas amostras de água subterrânea do período de estiagem (a) e (b) e chuvoso (c) e (d).
A Figura 1 (a) e © fornece algumas indicações do nível de similaridade entre os agrupamentos sazonais. As maiores distâncias de ligação (38 e 36) dos Grupos 4a e 4b indicam que as amostras de água subterrânea destes grupos se diferiram geoquimicamente dos demais grupos. Entre os agrupamentos restantes, o Grupo 1a (17) revelou maior distância de ligação na estiagem, enquanto o Grupo 3b (24) teve maior distância no chuvoso. Os Grupos 2a e 3a (14) e os Grupos 1b e 2b (15) apontaram as menores distâncias de ligação e as maiores semelhanças geoquímicas entre os agrupamentos sazonais. Os teores dos STD e Cl^{-} revelam tendências crescentes semelhantes nos grupos (Grupo 1 < Grupo2 < Grupo 3 < Grupo 4). Esta tendência revela a dominância de processos de mineralização e salinização das águas ao longo do fluxo subterrâneo regional, representados na Figura 2 (b) e (d) no diagrama de Stiff (1951).
4.2. Teores do Flúor e Vigilância em Saúde Ambiental**¶
Os teores do fluoreto variaram entre 0,04 e 3,75 mg.L^{-1}, cujas medianas (0,4 e 0,42 mg.L^{-1}) não diferiram sazonalmente, segundo o resultado do teste de Mann-Whitney (p=0,84). As amostras foram classificadas segundo a relação flúor-saúde bucal (Figura 3), inserindo-se, comparativamente, os dados do Aquífero Salitre de Santos (2018), ou disponíveis no Sistema de Informações de Águas Subterrâneas (SIAGAS) em Souto Soares, ou de Gonçalves et al. (2018), Gonçalves et al. (2019) no Aquífero Bambuí. Obteve-se restrição locais de potabilidade, de acordo com a Portaria n° 2.914/11 (BRASIL, 2011), para 21% das amostras, no presente estudo, incluídas na categoria de Risco de Fluorose Dentária, diferindo de Souto Soares (Aquífero Salitre) e Santana (Aquífero Bambuí). Cruz, Coutinho e Gonçalves (2015); caracterizaram o município de Santana como uma área endêmica de fluorose dentária.
Figura 3: Relação flúor-saúde bucal, englobando; risco de cárie, fator proteção e risco de fluorese nos diferentes sítios amostrais.
Fonte: Elaboração dos autores.
5. Conclusões¶
A análise de agrupamentos indicou a presença de grupos hidroquímicos que diferiram quanto aos valores dos STD, cloreto, dureza total, fluoreto, razões geoquímicas e saturação. Houve restrições locais de potabilidade em relação ao fluoreto para 21% das amostras, cujo consumo destas águas representa um fator de risco de fluorose dentária ou esquelética, ocorrendo áreas de maior relevância epidemiológica, a exemplo de Souto Soares. Caberia aos gestores da qualidade da água e da saúde promoverem o monitoramento dos teores do flúor nas águas subterrâneas, e a desfluoretação, e a vigilância em saúde ambiental, apoiados na geologia médica, considerando a saúde em suas múltiplas relações com o meio ambiente.
Referências Bibliográficas¶
Brasil (2011). Portaria n° 2.914 de 12 de dezembro de 2011. Dispõe sobre os procedimentos e
responsabilidades relativos ao controle e vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF.
CRUZ, M. J. M.; COUTINHO, C. A. M.; GONÇALVES, M. V. P. The Dental fluorosis on Santana karst region, Bahia State, Brazil. Journal of Geography, v. 3, n. 2, p. 51-67, 2015.
GALAGAN, D. J.; VERMILION, J. R. Determining optimum fluoride concentrations. Pulic health reports, v. 72, n. 6, p. 491, 1957.
GONÇALVES, M. V. P.; CRUZ, M. J. M.; SANTOS, R. A.; RAMOS JUNIOR, A. B. S.; COUTINHO, C. A. M. Flúor na água do Aquífero Bambuí no Oeste da Bahia (Brasil). Brazilian Journal of Aquatic Science and Technology, v. 22, n. 1, p. 10-21, 2018.
GONÇALVES, M.V.P.; SANTOS, R.A.; RAMOS JUNIOR, A. B. S.; CRUZ, M. J. M., COUTINHO, C.; CUNHA, M.P. Flúor nas águas subterrâneas dos municípios de Feira da. Mata e Santana (BA): comparação dos teores do fluoreto e seu significado na saúde da população, Geochimica Brasiliensis, v. 33, n. 2, p. 175 -- 187, 2019.
GUPTA, S. K.; DESHPANDE, R. D.; AGARWAL, M.; RAVAL, B. R. Origin of high fluoride in groundwater in the North Gujarat-Cambay region, India. Hydrogeology Journal, v. 13, n. 4, p. 596-605, 2005.
KOMATI, S. H.; FIGUEIREDO, B. R. Flúor em água e prevalência de fluorose em Amparo (SP). Geociências, v. 32, n. 3, p. 547-559, 2013.
MERKEl, B. J.; PLANER-FRIEDRICH, B. Geoquímica de águas subterrâneas: um guia prática de modelagem de sistemas aquáticos naturais e contaminados. Campinas, SP: Ed. Unicamp, 2012.
MISI, A.; TEIXEIRA, J. B. G.; SÁ, J. H. da SILVA. Mapa metalogenético digital do Estado da Bahia e principais províncias minerais. Salvador: CBPM, 2012, 244p.
RAFIQUE, A.; AWAN, M.A.; WASTI, A.; QAZI, I.A.; ARSHAD, M. Removal of fluoride from drinking water using modified immobilized activated alumina. Journal of chemistry, v. 2013, p. 1-7, 2012.
SANTOS, R. A. Hidrogeoquímica das águas subterrâneas do município de Iraquara, Bahia. Dissertação (Mestrado em Geologia), Universidade Federal da Bahia -- UFBA, Salvador, 2011.
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Pesquisador do Grupo de Pesquisa Geoquímica das Interfaces, Universidade Federal da Bahia. E-mail: rodrigo.hidro@gmail.com. Grupo de Pesquisa Geoquímica das Interfaces, Pós-Graduação em Geologia, Universidade Federal da Bahia. E-mail: jc9508@gmail.com. ↩