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DESAFIOS AO MODELO MINERAL BRASILEIRO

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Magno Luiz da Costa Oliveira1

O presente trabalho é fruto duma periódica discussão entre os militantes do MAM -- Movimento pela Soberania Popular na Mineração e a Via Campesina. O seu objetivo é dialogar com a sociedade sobre a real necessidade dum projeto popular e soberano no setor mineral levando em consideração três aspectos. Primeiro, que historicamente discussões sobre o setor mineral sempre ocorreu a parte do povo, noutras palavras, é antidemocrático. Segundo, porque se desenvolveu contra os interesses do povo, quer dizer, é antipopular e terceiro, o setor mineral esta posicionado, nos países de capital periférico, com um modus operandis de saque dos nossos bens naturais. Modo esse que desrespeita os povos, destrói o meio ambiente e aniquila com a vida dos trabalhadores e trabalhadoras da cadeia produtiva do setor mineral. Numa última palavra, o atual modelo mineral é antinacional. São mais de 400 anos de mineração no Brasil, divididos em dois grandes ciclos temporais: o período colonial, centrado na exploração de ouro e pedras preciosas, e o que se inicia em meados do século XX, tendo o minério de ferro como principal minério a ser extraído e exportado. Em nenhum desses momentos o povo brasileiro obteve êxito em imprimir um maior controle sobre a extração de um dos mais estratégicos bens naturais do país: os minerais. A exploração aconteceu e acontece de modo subordinado, inserida na lógica do capitalismo dependente, que coloca o Brasil como exportador de matérias-primas comprometendo a nossa soberania de diferentes maneiras. Toda tentativa de transição de uma cultura colonial para a formação de uma nação democrática e soberana foi aniquilada pela mentalidade entreguista da burguesia conservadora e subserviente ao mercado internacional. Esse cenário controlado por essa formação traçou um sentimento contra a população, em geral antinacional, antissocial e antidemocrático, como chamou atenção Florestan Fernandes no seu livro a ''Revolução Burguesa no Brasil''.

O que queremos dizer por Soberania Popular na Mineração? A luta pela soberania popular na mineração tem como objetivo a construção de um novo modelo político para o setor mineral em contra partida ao atual modelo alicerçado no saque irrestrito dos nossos bens naturais, reprimarização da economia, destruição da natureza e deterioração das relações de trabalho. O Movimento pela Soberania Popular na Mineração - MAM é o instrumento político que, em diálogo com o povo que vive em conflito com o atual modelo mineral, sintetiza uma pedagogia de luta que aponta para a superação deste cenário de características neocoloniais. Uma das saídas clássicas que o capitalismo utiliza para superar suas crises cíclicas é aprofundar o saque dos bens naturais. Para que tal movimento seja possível se faz necessário toda uma articulação política de enfraquecimento da democracia dos países de capital periférico, sequestro do estado pelo poder econômico e rearticulação do complexo jurídico permitindo assim que haja um lucro extraordinário das multinacionais do setor da mineração. Propomos um modelo mineral que sirva de instrumento para o desenvolvimento do nosso país pautado na industrialização, gestão popular e respeito a vida. Lutar por soberania popular na mineração significa lutar pela emancipação política da nação brasileira. Aprofundemos: O povo brasileiro em nenhum momento da história obteve êxito em garantir maior controle sobre a exploração de alguns dos bens naturais mais estratégicos para o país: os minerais, que são, por definição, finitos e não renováveis. A exploração sempre se operou de um modo subordinado, inserida na lógica do capitalismo dependente, que coloca o Brasil como exportador de matéria-prima, comprometendo a nossa soberania de diferentes maneiras. Não está colocada a discussão dos ritmos de exploração adequados à soberania do país, nem a necessidade de se construírem áreas livres da atividade de mineração, que possam proteger biomas e comunidades. Nem a concepção de que nem todo lugar pode ser minerado. Deveria ser uma prerrogativa do povo brasileiro a possibilidade de participar dos rumos da extração mineral no nosso país. Existem hoje aproximadamente dois mil municípios brasileiros que possuem atividades econômicas, legais, oriundas da mineração; ou seja, cidades que recebem o imposto da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM). Entretanto, estima-se que cerca de mil e duzentas cidades no Brasil não recebem a CFEM, especialmente nos locais onde se minera agregados para a construção civil, tais como cascalho, areia, brita, entre outros. Desde 2011, quando se inicia o debate no Governo Federal para a atualização das normativas do setor, o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) acumula um estoque de 4,3 mil requerimentos pendentes, aguardando apenas a autorização final, que totalizam 10,3 milhões de hectares, o equivalente ao tamanho do estado de Santa Catarina. Os capitalistas da mineração seguem tendo lucros extraordinários à custa da geração de muita pobreza e destruição. Como o exemplo da empresa Vale, que através do saque mineral garantiu altíssimos lucros a bolsos invisíveis, longe das empoeiradas comunidades localizadas nas cercanias das minas. A Vale, em 2013, obteve somente no terceiro trimestre um lucro líquido de R$ 7,9 bilhões, 139% a mais do faturado no mesmo período em 2012. Seus acionistas, do alto de seus escritórios, em diversas partes do mundo embolsaram no ano de 2014 US$ 4,5 bilhões. O aumento expressivo da extração dos minérios no território brasileiro se deu, principalmente, por dois motivos: o primeiro, pelo alto consumo mundial de importação de minério de ferro pela China, que no ano 2000 se encontrava no patamar de 150 milhões de toneladas (GRIBEL, 2008) das importações globais. Somente o Brasil exportou para a China no ano de 2014 cerca de 152,88 milhões de toneladas de minério de ferro, o que correspondeu a 52\% da exportação brasileira das \emph{commodities} (BRASIL, 2016). O segundo motivo foi a política de crescimento econômico baseada na reprimarização da economia, através de uma ênfase de fortes investimentos em bens primários, mais do que os beneficiados e industrializados. Essa política teve como fomentador o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), através dos financiamentos de grandes projetos (minerários, petrolíferos, hidrelétricos, ferroviários e portuários), que beneficiavam diretamente uma parte da burguesia interna, que investiu fortemente em obras de infraestrutura para garantir as exportações das \emph{commodities}, destacando-se o agronegócio e a mineração, como setores basilares da política econômica governamental para garantia de resultados positivos na balança comercial e no superávit primário. Há o fator também de que nossa posição, primário-exportador, é ainda mais reforçada com a estrutura tributária nacional que estimula a exportação de produtos primários, como a Lei Kandir, que isenta as \emph{commodities} minerárias do recolhimento do ICMS. No mais, a mineração em grande escala no Brasil tem apresentado um padrão de apropriação extensiva da natureza e dos territórios. O aumento da produção mineral no Brasil nos últimos 15 anos teve como uma de suas consequências a ampliação de um quadro de conflitos socioambientais e de violações aos Direitos Humanos onde a mineração se estabelece. A dinâmica predatória que essa atividade impõe ao meio ambiente e às comunidades do seu entorno tende a provocar a perda das bases de reprodução socioeconômica dos grupos que vivem e trabalham nos locais onde os empreendimentos são instalados, comumente passando a se tornar dependentes, então, de uma única atividade: a mineração.

Como dialogar com o povo sobre as contradições do atual modelo mineral? A característica da formação socioeconômica brasileira foi a negação de participação popular em qualquer processo de decisão sobre os rumos do país. ``O complexo institucional Estado-Nação foi engenhosamente empregado para perverter, debilitar e bloquear o desenvolvimento da democracia'' (FERNANDES, 1971, p. 66). Todos os momentos em que o povo se organizou reivindicando participação e ampliação da democracia foi golpeado pela classe dominante num momento de congelamento dos processos democráticos e de ruptura, isto é, de modo preventivo, a burguesia brasileira, por sua natureza de formação de classe, sempre impediu qualquer processo de mudança social desencadeado pela pressão das classes populares, a fim de manter o \emph{status quo}. As assembleias populares sempre foram para o povo instrumentos de organização popular. Esses momentos são espaços em que o povo articula-se em debates, troca de experiências, reflexão dos problemas, proposição de ações, tendo como característica a solidariedade, fraternidade, rebeldia e sede de justiça. As assembleias populares nada mais são do que a expressão do povo no seu cotidiano. Não é por acaso que as assembleias têm como característica os mutirões que articulam e envolvem a diversidade do povo brasileiro. Sujeitos que historicamente não foram reconhecidos pelo Estado-Nação. É o espaço onde o povo pode dar sua opinião, sugerir, aprovar decisões do interesse da comunidade. Para que a Assembleia Popular da Mineração? O modelo de saque mineral faz parte da formação socioeconômica brasileira, e em nenhum momento da nossa história o povo brasileiro pôde decidir sobre o controle da exploração dos nossos minerais. O domínio absoluto sobre os bens minerais foram sempre ditados pela classe dominante. Atualmente, os setores de classes que comandam o destino mineral são grandes transnacionais ou mesmo empresas nacionais que têm como principal acionista o capital internacional. Os bens minerais são estratégicos para a humanidade, sendo que o desenvolvimento das forças produtivas (tecnologia, comunicação, saúde) somente foram possíveis através da transformação da natureza por meio do trabalho. Os bens minerais na atual sociedade capitalista assumem a lógica mercadológica, secundarizando a satisfação humana e transformando as atividades em fins potenciais lucrativos. A ganância da classe dominante pelo controle e saque dessas riquezas conduz conflitos de todas as ordens com as populações e trabalhadores na mineração. As populações em conflito com o modelo mineral e os trabalhadores da mineração são maioria e deveriam ser, por justiça, responsáveis por definir o controle e destino dos minérios. Segundo a própria constituição o poder emana do povo, logo, quem deve definir sobre os rumos dos bens minerais, assim como todos os bens da natureza, deve ser o povo brasileiro. Porém a realidade está bastante distante. Essas populações em conflito com a mineração, e todo o meio ambiente, são atropeladas pelas empresas que sobrepõem os interesses econômicos aos interesses coletivos, construindo uma herança injusta e desigual, na qual o povo fica com o passivo ambiental, econômico e social; e as empresas com as altas taxas de lucros.

Na atual conjuntura o que apontamos como alternativas para superar as contradições supracitadas? 1) Criação e utilização de canais de deliberação locais/municipais de controle popular sobre a mineração. 2) Possibilidade de serem criadas Áreas Livres de Mineração, de acordo com a vontade das populações das regiões. 3) Ampliação da capacidade de fiscalização e monitoramento do aparato estatal. 4) Criação de ampla política pública acerca do monitoramento e fiscalização de barragens de rejeito de mineração, além de infraestruturas conexas. 5) Relativo à diversificação econômica e a renda mineira, propomos as seguintes medidas: I -Incentivos à diversificação econômica das regiões mineradas. II - Aumento da percentagem de Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais (CFEM). III -Repasse a municípios do entorno e que hospedam infraestrutura conexa. IV --Repasse para saúde e educação.V --Criação de entidade municipal e estadual que fiscalize e monitore os gastos dos recursos gerados pela CFEM. VI -- Prever participação especial nas minas com grande lucro se comparadas com outras de mesma substância mineral. 6) Regulação de Escalas e Taxas de Extração Mineral. ~7) Criação da possibilidade de desapropriação dos ativos das empresas, passando a ser diretamente administrados pelo Estado ou, até mesmo, pelos próprios trabalhadores. 8) Defendemos que as empresas com responsabilidade em acidentes graves não poderão requerer novas áreas para mineração. 9) Criação de crédito e apoio técnico a Cooperativas de Mineração e Garimpo, no lugar do estímulo a multinacionais de mineração. 10) Apoio ao aproveitamento de todos materiais rochosos extraídos das minas. 11) Para o âmbito do trabalho, propomos as seguintes medidas: I- Definir responsabilidades da Agência Nacional de Mineração nas condições de saúde e segurança, no acompanhamento do Plano de Gestão de Riscos, conforme previsto na NR 22. II- Prever recursos da empresa para plano de descomissionamento e recuperação ambiental, aprovado pelos trabalhadores e comunidades afetadas.

É necessário dialogar com o povo, é necessário construirmos um projeto de nação. O setor mineral é de fundamental importância para o desenvolvimento do nosso país. A burguesia associada não cumprirá as tarefas necessárias para que isto aconteça. Somente o povo organizado poderá tecer os sonhos da autonomia e da soberania. Não há porque esperar.


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