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Legenda

POLÍTICAS REGULATÓRIAS DA MINERAÇÃO

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Kátia Visentainer1

Mudanças no Código da Mineração: Medidas Provisórias e Decretos Presidenciais

Em julho de 2017, ao lançar o Programa de Revitalização da Indústria Mineral Brasileira, o presidente Michel Temer apresentou três Medidas Provisórias (MPs): a MP 789/2017 (sancionada na forma da lei 13.540/2017) alterava a cobrança dos royalties da extração mineral, a MP 790/2017 (não aprovada) fazia modificações procedimentais no Decreto Lei 227/1967, e a MP 791/2017 (sancionada na forma da lei 13.575/2017) criava a Agência Nacional da Mineração (ANM). Do ponto de vista processual, as Medidas Provisórias abriam menos margem para discussão do que seria possível no caso de um Projeto de Lei. Depois da derrota referente à MP 790/2018, como última cartada, Michel Temer passou as mudanças que desejava por decreto, o que reduziu ainda mais qualquer oportunidade de debate público. O decreto, em grande medida, apenas reforça os elementos autoritários e voltados para a expansão sem controle da mineração presentes nas leis 13.540/2017 e 13.575/2017. Porém, chamou a atenção, o quanto o governo, entres risos e lágrimas, tentou apresentar a assinatura do decreto como agenda positiva, em um grande evento que contou com ampla participação de representantes das mineradoras. Primeiro foram as medidas provisórias, o Governo encaminhou ao Congresso Nacional três Medidas Provisórias.As MPs propunham alterar 23 pontos no Código de Mineração. Entre as principais medidas, estavam o aumento nas alíquotas da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem) e a transformação do Departamento Nacional de Mineração em uma agência reguladora, a Agência Nacional de Mineração (ANM).

A Medida Provisória N° 791 de 2017, convertida na lei 13.575/2017. Ela cria a Agência Nacional de Mineração (ANM). A agência assumirá as funções do Departamento Nacional de Produção Mineral, que foi extinto. De acordo com a MP, a agência integra a administração pública federal indireta, está submetida a regime autárquico especial e vinculada ao Ministério de Minas e Energia e terá a sua sede no Distrito Federal e poderá ter unidades regionais. A Agência Nacional de Mineração terá como finalidade implementar as políticas nacionais para as atividades integrantes do setor de mineração, ''compreendidas a normatização, a gestão de informações e a fiscalização do aproveitamento dos recursos minerais no país''. Pelo texto, o diretor-geral e os demais membros da diretoria colegiada têm que ser brasileiros, indicados pelo presidente da República e nomeados após aprovação pelo Senado Federal. E será mais um braço do setor empresarial dentro do estado brasileiro.

A Medida Provisória N° 789 de 2017 Foi aprovada pelo Congresso Nacional e convertida na lei 13.540/2017. Ela altera as regras e taxas de cobrança da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM). De acordo com a MP, as alíquotas da Cfem passam a ter variação entre 0,2% e 4%. As alíquotas passarão a incidir sobre a receita bruta, e não mais sobre a receita líquida. Sendo ainda as menores taxas cobradas no mundo.

A Medida Provisória N° 790 de 2017 Não foi aprovada pelo Congresso Nacional e propunha alterações no Código da Mineração. A maioria delas referente às normas para a pesquisa no setor, que é a execução dos trabalhos necessários à definição da jazida, a sua avaliação e à determinação do seu aproveitamento econômico. Muitos dos artigos desta MP foram incluídos no Decreto Presidencial, em junho de 2018.

Decretos Presidenciais

Em junho de 2018, o Governo de Michel Temer assumiu mais uma vez o seu caráter antidemocrático, impopular e neoliberal e assinou dois Decretos Presidenciais da Mineração. A cerimônia de assinatura do Decreto, realizada no dia 12 de junho de 2018, no Palácio do Planalto, contou apenas com a participação de representantes das mineradoras, Ministério de Minas e Energia e Casa Civil. Durante a cerimônia, os discursos performáticos foram centrados apenas em duas questões: a responsabilidade das mineradoras com a recuperação de áreas degradadas e o fechamento de minas. No entanto, não aparece a obrigatoriedade das mineradoras em ter um aprovisionamento de recursos financeiros para um fundo de garantia da execução do plano de fechamento de minas, permitindo assim que mineradoras não se responsabilizem financeiramente com o fechamento de minas e a recuperação de áreas degradadas. Além disso, os números de desapropriação das comunidades, que estão em conflito com a mineração serão infinitamente maiores devido a possibilidade das mineradoras solicitarem à Agência Nacional de Mineração (ANM) a Declaração de Utilidade Pública para que ocorram as desapropriações das áreas compulsoriamente, sem levar em consideração os interesses das comunidades impactadas.

O quadro que se configura a partir da aprovação das Leis 13.540/2017 e 13.575/2017, bem como da assinatura dos Decretos 9.406/2018 e 9.407/2018 sugere uma dificuldade no debate sobre o modelo mineral brasileiro. Dessa forma, maior compreensão sobre o papel desse setor para a sociedade brasileira e uma discussão pública mais ampla sobre seus efeitos e impactos alcançam um novo nível de necessidade e urgência no país.

Se houvesse preocupação de fato com a recuperação das áreas degradadas e a execução dos Planos de Fechamento de Minas, Michel Temer poderia ter estabelecido, por exemplo, a exigência da provisão de recurso antes do fechamento, ou a contratação de seguro, para o caso de falência da empresa ou acidentes ambientais. Medidas dessa natureza vêm sendo propostas pelo Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração, desde sua constituição, em 2013. Tais práticas também são indicadas pelo conselho internacional das mineradoras, e adotadas em diferentes países como Austrália, Canadá, África do Sul.

A repartição da CFEM, assim como da renda mineral em geral, é um tema bastante complexo e polêmico. Até a promulgação da Lei 13.540/2017, a CFEM era repartida entre União (12%), estado onde fosse extraído o minério (25%) e município onde fosse extraído o minério (65%). A Lei 13.540/2017 estipulou a destinação de 15% do valor arrecadado aos municípios que sofrem impactos da infraestrutura de extração mineral. A motivação por trás dessa decisão foi a compreensão de que a existência de ferrovias sem passarela e com tráfego intenso de trens, a atividade de carga e descarga de minério nos portos, a instalação de barragens de rejeitos, entre outras atividades, gera uma série de impactos sociais e ambientais negativos passíveis de algum tipo de compensação financeira.

A distribuição passou a ser entre, União (10%), estado onde for extraído o minério (15%), município onde for extraído o minério (60%) e municípios sem extração, mas impactados pela infraestrutura (15%). O decreto 9.407/2018, porém, reduziu, de 15% para 13%, a participação dos municípios impactados pela infraestrutura, diferente do que foi divulgado pelo MME à imprensa. Os 2% retirados seriam ``devolvidos'' a alguns dos municípios onde ocorre mineração a título de compensação pela perda de receita da CFEM.

Outro artigo que não foi divulgado pelo MME diz respeito à pequena severidade das penalidades impostas às empresas mineradoras. De acordo com a MP 790/2017 as multas a serem aplicada em caso de não observância do Código poderiam alcançar R$ 30 milhões. Em sua nova versão, apresentada na forma do Decreto 9.406/2017, a multa máxima permitida será de R$ 3.293,90. Esse será o valor limite das multas impostas pelo Decreto a uma série de infrações, tais como, não promover a segurança e a salubridade das habitações existentes no local, não drenar águas que possam ocasionar danos e prejuízos aos vizinhos, não evitar poluição do ar ou da água que possa resultar dos trabalhos de mineração, e não observar o disposto na Política Nacional de Segurança de Barragens.

Considerações

O Brasil parece construir um novo modelo de crescimento e inserção internacional no que diz respeito à extração mineral. Se os Governos Lula e Dilma se aproximaram do modelo ``progressista'', identificado com outros países da América Latina, o Governo Temer parece poder ser definido como liberal-conservador. Nessa nova fase, a exploração mineral em larga escala para exportação deverá se manter central. Porém, ao invés de usar parte dessa renda para investir em programas sociais, como nos governos passados, há indícios de que o governo priorizará a transferência desses recursos para o mercado financeiro - banqueiros, e de investimentos externos.

Dessa forma, entende-se que a mudança no direcionamento da política mineral brasileira está inserida na estratégia mais ampla do Governo Temer de fortalecer os interesses e ganhos do setor privado produtivo e, principalmente, do capital rentista. Assim essas mudanças se somam a outras que buscam compensar as perdas de lucratividade decorrentes da crise econômica, seja pela espoliação dos direitos sociais, seja pela implementação de regulações permissivas à exploração e exploração do trabalho, dos recursos naturais, dos bens e serviços públicos.


  1. Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração